Devocional







“Eu vi o anjo no mármore e esculpi até que o libertei".
(Michelangelo)



O pé da bailarina é a escultura de mármore que se move, talhada pelo dom de um escultor titereiro. Ele projeta o pé diáfano, fluido, elástico e tenso. A dança incrustada em cada nervo, em cada músculo.

O corpo da bailarina é apenas o pretexto para criar-lhe os pés de pluma em movimento. Lívido, o peito do pé da bailarina se curva numa parábola sobre beleza e infortúnios. Dedos que tocam o chão e se fundem num enlevo para alçar as nuvens do onírico.

Tendões rijos e atléticos são postos à prova da leveza e da perícia. 

A região plantar se esgarça pela força da impulsão e o pé da bailarina voa além da cabeça, se lança até a lua ou rodopia, em parafuso de cristal, buscando o centro da terra.

O pé da bailarina não reconhece fronteiras e limites. Despido, revela a dor de sustentar a perfeição.

O volátil pé de mármore da bailarina não está eternizado no museu. Dia após dia, retorna à carne e ao osso, extenuado de sonhar acordado. 

Então dorme sono de chumbo em preto e branco só para despertar alvo cisne, clara boneca, crível soldado, lépida gazela, frágil princesa, esculpidos com os cinzéis do compasso, na rotina dos ensaios: limas que suavizam as arestas, passo por passo, até o polimento final, nunca menos ambicioso do que os das obras-primas de Michelangelo e de Camille Claudel.



Comentários

  1. Quanta inspiração prima!! Ana Botafogo ficaria orgulhosa do seu texto, parabéns!!!

    Jôsy Militão

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  2. Profundo, hein!

    Márcia Romão

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  3. Não sou nada pé de valsa... mas tb não sou escritora, só me resta ser uma boa leitora e consumidora de música!

    Juliana Cruz

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  4. Muito lindo, Lu. E já mostrei pro Ygor, que é apaixonado pelo meu pé.

    Camilla Cavalcante

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  5. Uma poesia, cheio de delicadezas esse seu texto.
    De fato, as bailarinas parecem sonhos de anjos, um encantamento, tamanho a leveza e suavidade dos seu movimentos ...
    Que nem de longe espelham ou deixam ver, a devoção incondicional, a dor física, a persistência infinita em busca da perfeição...

    Marilena Holanda

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  6. O que mais dizer...belo, poético, tentei reproduzir a delicadeza , leveza colocando o meu pé em ponta, ativo e ao mesmo tempo relaxado...

    Cynthia Chayb

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  7. Lindo!

    Renata Assumpção

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  8. Adorei o texto! Muita sensibilidade e beleza... escultura e dança... o movimento e o onírico... inspirador!!! Buscando essa "vibe" kkk bjosss,

    Emmanuel

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