Morfeu não mora mais aqui



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Tenho um fuso horário para chamar de meu: acordar, quase todas as madrugadas, por volta das 3h30. Raras são as vezes que, sem medicação, consigo despertar perto das 6h da manhã. Nunca precisei de despertador, nem na adolescência. Também, nunca fui boêmia. Não sei se justo pelo fato de me constatar pouco afeita aos braços de Morfeu, se porque nunca gostei de beber ou pela junção de ambos.

Sou um número quatro do Eneagrama (entendidos entenderão e quem não é, por gentileza, faça uma pesquisa básica na Googleland). Sendo assim, meu pecado de raiz é a inveja. Sim, invejo demais quem dorme como um anjo (olha eu aí falando deles novamente). Dormir bem é celestial! Hoje, que consegui vencer a barreira da insônia livre de soníferos e abri os olhos na aurora, me senti realizada. São pequenas e raras vitórias, porém, são bem-vindas. Passo o dia com uma energia incrível.

Imagino se fosse boa de cama. Mataria um leão com as mãos, diariamente. Mas pra quê matar o leão? Ditado infeliz! Deixemos o rei da selva em paz, dormindo, algo que ele faz tão naturalmente. Ah, se eu me sentisse de fato descansada todos os dias, viraria a Mulher-Maravilha! Embora insone, não costumo ser azeda e carcomida. “Você tem uma pele e um cabelo ótimos, nem parece que não dorme direito”, ouço por aí e acredito no que ouço. Melhor coisa é crer nesses elogios espontâneos. Melhor ainda é ser como Elza Soares, que afirmou: “não tenho idade, tenho tempo”.

Daí que eu já tentei de tudo nessa vida para dormir seis, sete, oito horas ininterruptas. Não me venham como mais uma receita de chá, com mais uma dica de higiene do sono, mais uma mandinga milagrosa, polissonografia. Nada disso funciona, sério, para insones contumazes, reincidentes, recalcitrantes.

Então, mordisco pelas beiradas. Arrisco experimentos aqui e acolá e o último deles foram umas palestras intituladas: “Práticas Budistas e Melhoria do Sono”. Quatro encontros nos quais descobri que sou a menos perturbada dos zumbis que varam madrugadas. Cada um mais alucinado, celerado e neurastênico do que o outro. Foi massa, nesse sentido. Reconforta ter consciência de que não estamos sozinhos perdendo a batalha onírica por meses, anos, décadas.

Ativista do dedinho levantado para pedir a palavra, me recolhi a minha insônia insignificante. A galera ali tá em um outro nível de alucinação. Precisam superar o vício em trabalho, celular, levar em consideração o que os outros dizem, ocupar 24 horas com atividades ditas “úteis”, fazer parte de 500 grupos de whatsapp, tomar 45 xícaras de café durante o expediente...

Como as pessoas estão adoentadas, não? Uma millennial começou a falar e não parava mais. Dava para notar a ansiedade dela escorrendo pela boca. A menina, surtada, revelou tudo o que seguia nas redes sociais, tudo o que fazia e eu só consegui ficar chocada, mas, simultaneamente, aliviada. Afinal, minha insônia e a dela são bem díspares.

A outra até para falar comia as sílabas, numa RPM de deixar qualquer pessoa zonza. Uma mãe contou que acorda no meio da noite com a planilha Excel das “obrigações” brilhando na tela mental. Tem uns caras na roda também (meu marido, inclusive, inscrito por mim, é claro). Mas homens sofrem menos com a insônia. Ô natureza escrotamente machista! Sem falar que, no climatério, os problemas relativos ao sono se intensificam (escutem minha risada histérica).

E eu, onde me encaixo? Não sou ansiosa, nunca fui. Sou capaz de aguardar pacientemente o desenrolar de tudo, até do nascimento dos meus filhos sem querer saber o sexo deles com poucos meses de gravidez (fui obrigada a tomar conhecimento por causa do pai, ansioso clássico). Meu livro está sendo gestado e eu tô aqui de boa enquanto os amigos perguntam: quando? Quando? Quando? Resposta: qualquer hora aí até o fim do primeiro semestre de 2019, who knows?

Já não faço nada para lotar a minha agenda. Passo horas inteiras jogada no sofá lendo, curtindo filmes e séries. Não bebo; não fumo; não me deito com o celular ligado (nem ao meu lado o danado está nessas horas fatais); não uso computadores à noite (a não ser para escrever algum texto besta); pratico ioga há mais de dez anos; caminho; devoro chocolates sem quase nenhuma culpa; pedalo quando dá; convivo com a natureza; acolhi uma cadela em meu coração...

Sei lá, bicho (leãozinho lindo), meu lance é deep. Preciso radicalizar e tentar hipnose. Meditação, sozinha, não resolve. Regressão às vidas passadas, ritual xamânico com ayahuasca, cogumelos. Isso, necessito de umas drogas sem receita médica. Aliás, pelo tanto de habeas corpus que reviso todos os dias pedindo "relaxamento da prisão" de traficantes, todo mundo está drogado, menos eu. 

Ou, definitivamente, devo me render ao inevitável. Entregar para Deus, oferecer ao universo. Assimilar a insônia tardia como uma bênção. Aceitar, pois dói menos. O que não tem remédio (tarja vermelha, preta e fitoterápicos), remediado está.



Comentários

  1. Eu desisti da genialidade bem cedo ao descobrir que ela pertencia aos insones!!!! Resolvi que dormiria meu 1/3 da vida, quiçá um cadinho mais...

    Bianca Duqueviz

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  2. Luciana,
    vc merece um troféu por lidar tão bem com a insônia!!!

    Evelyn

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  3. Entendo seu problema, passei por ele, quando pensei que fosse agravar por causa da idade. Depois dos 50 durmo como um anjo rsrs . Portanto, não desista! Não tentei de tudo como você, sempre dormi de madrugada. Hoje durmo cedo pra mim e acordo cedo pra mim também. Agora, tem uma explicação metafísica pra você acordar às 3h da manhã.

    Renata Assumpção

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  4. Adorei o texto! Contudo, não posso deixar de admitir que já iria perguntar do Livro! Sou ansiosa e viciada em trabalho ! Como nada é linear, durmo no mínimo 8h e poderia dormir muito , muito mais! Kkkkkkkk
    Bjos da sua fã numero 1 :
    Anna Gabis

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