"A Idade da Razão"*





A manhã chuvosa e fresca, horizonte plúmbeo, me fez voltar aos roteiros de White Plains. 

Relembrei idas e vindas do Trader Joe’s, cruzando a esquina entre a Liberty e a Independence, 

pilares fundamentais. 

O impulso de parar nessa encruzilhada da vida era instintivo. Stop and see. Uma vez, desci do carro e tentei uma foto, mas o céu gris não ajudou na composição. 

Saudade das planícies brancas quando estiveram alvas de neve, chantilly. 

Falta que sinto das quatro estações a reger comportamentos, rotinas e paisagens diversos uns dos outros. A adaptação impera. 

Os sábias e maritacas cantam na manhã candanga do planalto central. Os corvos crocitam no crepúsculo de Westchester. Me encantava a morbidez literata da ave de Poe, e a memória da revoada negra cobrindo o azul-nem-sempre-azul me faz suspirar... 

Sou um ser de lua, uma loba: Lilith. A energia yin me torna mais límpida. 

Não que abra mão dos dias de sol; do mar no verão. Só não precisava ser tão arregalados os dias amarelo-ouro onipresentes do Brasil. 

Umas pausas úmidas, íntimas e líricas são fontes vitais de introspecção criativa. Mas o astro-rei é mesmo para todos debaixo do Equador. 

Lá, o farfalhar da halzenut que cai sobre a cama das folhas de maple. 

Aqui, o tum surdo da manga que aterrissa na grama esmeralda. Oceano delas a apodrecer sob o mormaço abrasador. 

No Norte, a Natureza se contém, ciente da carestia do inverno. No Sul, a profusão de cheiros e sons é incessante cornucópia. 

O hemisfério de baixo não dá trégua, é exposto e despudorado. Exaure os sentidos numa festa diuturna. Somos todos coração pipocando em suores e gozos de toda ordem. 

O hemisfério de cima cultiva uma paz de ruas vazias, chás quentes e abajures acesos. Consigo, agora, (mais do que da primeira vez que ali vivi) compreender o apelo desse casulo, essencial ao equilíbrio da razão.

 * Pegando emprestado o título de Sartre.



Comentários

  1. Gostei muito. E inevitável a influência de tudo isso (acho eu, humildemente) na personalidade do seu povo. Parabéns pelo texto, querida amiga escritora e poetisa.

    Marisa Andrade

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  2. Adoro seus textos! Um dia desses vai sair o livro e eu vou correr para ler! Olha, aqui em Teresina tem tardes cinzentas belíssimas, quando a chuva se anuncia e cobre a cidade de um cinza azulado que, acredito eu , é inspirador... neste janeiro tem sido assim!

    Socorro Melo

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  3. Agora tenho que começar a agenciar você também. Bravo!

    Angela Sollberger

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  4. Também tenho fascinação pela mudança de tempo. Por isso prefiro viajar pra ver o inverno.

    Mônica Ramos Emery

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  5. Vc não existe. abreijos

    Davide

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  6. Ah, que texto lindo, prosa poética do início ao fim, sem precisar de um verso sequer! Não quer publicar no Linguamantes?!?!?!
    Bjo,

    Ana Cristina

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