Can I give her some love?






Americanos são especialistas em "small talk", ou em bom Português, jogar conversa fora. Já comentei o traço cultural ianque em outros textos, mas sempre me impressiona a habilidade cordial do típico norte-americano em puxar papo dentro das lojas, nos metrôs, ônibus... 

Para quem conhece bem os cariocas, vão argumentar: ah, a gente sabe bem do que você está falando. Mas não se enganem: os cariocas criam intimidade na fila da padaria e, ao final de dez minutos, passam o endereço da próxima festa na casa deles; algo impensável para os estadosunidenses. Eles são corteses, gentis e polidos num nível no qual a privacidade não seja ferida de modo algum. Ser convidado para fazer parte do círculo invisível que todo cidadão americano tem ao redor de si é tarefa complicada. Eles se preservam com unhas e dentes. São pessoas indoor, reservadas, intimistas. Preferem o inverno ao verão, na maior parte das vezes. 

Mas, em matéria de conversas despretensiosas, são quase imbatíveis. Já vivenciei diversos diálogos nonsenses nessa rotina de dona-de-casa entre um supermercado e outro. Desconfio que os americanos, uns solitários de primeira, desenvolveram essa postura social para que pudessem sobreviver ao isolamento que se impõem atrás de suas portas e janelas bem adornadas. São capazes de papear com a caixa da farmácia por cinco minutos sem se importarem com a fila que se forma atrás. E os que esperam não reclamam, pois estão loucos para chegar a vez deles de interagir.

Estava ontem dentro da TJMaxx garimpando promoções a esmo. Achei uma bolsa bacana por 20 dólares, pus no carrinho. Daqui a pouco passa uma senhora negra que me diz:

- Que bela bolsa você tem aí!
- Sim, não é verdade? E olha como foi barata!, respondo no tom afetando gentileza no qual eles são especialistas (pensem naquela vozinha de mulherzinha meio anasalada. É assim.)
- Ela arregala os olhos para a barganha, toca na bolsa, vê a marca (Nine West) e confirma:
- Excelente compra!

Passa uns minutos, estou zapeando entre as araras de blusas e outra americana, agora branca, meia idade, exclama:

- Não se fazem mais blusas no bom e velho estilo de blusas, não? (É a deixa para estabelecer o contato verbal tão raro)
- Sorrio para ela, que estende uma camiseta vermelha com um enorme caranguejo preto estampado, emendando:
- Essa é bonita, não? (Penso, Deus, é horrível, mas tive vontade de comprar só para tirar sarro do Bernardo, que é do signo de câncer e vive pedindo que eu faça uma tatuagem do bicho asqueroso. Jamais, evidentemente).
- Sim!, respondo simpaticamente, e seguimos na garimpagem, afastando cabides...

Ela passa para o outro lado e daqui a pouco ergue uma blusa vaporosa de fundo amarelo e estampas de flores:

- E essa, o que você acha? É bonita, não?
- Sim, é bem bonita. Eu gosto muito de amarelo (não estou mentindo dessa vez).
- Você acha que dá para usar com um sutiã verde?

Espantada com a pergunta estapafúrdica, como se ela fosse minha melhor amiga, demoro um pouco a entender, mas me recupero a tempo de lhe garantir:

- Of course, it will be great!

Todo dia é assim: small talks surreais, saborosos, hilários... 

Na fila de outra loja, a mulher atrás de mim bufa:

- Mas que fila enorme! Ela quer reverberação, portanto lhe dou de presente a concordância.
- E eu tenho de estar às sete pm em tal lugar!!
- Amanhã é Dia dos Pais, né? Daí a lotação...
- Você não sabe onde tem outra loja da rede, não?
- Penso um pouco e informo outros dois endereços para ela.
- É, mas são meio longe, vou ter de ficar nessa fila mesmo, resigna-se e continua conversando com si própria e comigo.


Os tete-a-tetes surgem do nada e do nada terminam. A ideia é mostrar que são normais, gostam de pessoas, ainda que há uns 30 quilômetros de um abraço. As abordagens podem acontecer por causa das suas tatuagens, de uma roupa que eles gostam, da armação dos óculos... Meses atrás, uma mulher na casa dos trinta me olhava insistentemente, atitude pouco comum para os americanos, que evitam encarar as pessoas, comportamento considerado muito rude por eles. Depois de um tempo, ela se aproximou de mim, pediu mil desculpas e exclamou:

- I loved your glasses! Where did you get them?

Com a Frida, então, eles se sentem mais ávidos e descontraídos. Há uma verdadeira adoração por Corgis nessas bandas. Algumas garotas entram em histeria quando veem a Frida, não estou exagerando, juro. Em Manhattan, uma delas quase chorou. Vários filmam ou pedem para tirar fotografia dela. Hoje sei o que deve ser a vida de uma celebridade. Caminhar com a lady por Nova Iorque dá nos nervos: somos parados de dois em dois minutos por alguém pedindo com polidez:

- Can I pet her/him?

Certa feita, houve um cara ousado:

- Can I give her some love?

Claro, vá em frente, dê todo o amor do mundo. Afinal, all we need is love!




Comentários

  1. Legal seu texto, Lu!

    Bernardo.

    ResponderExcluir
  2. So fantastic. As a i said, you take us for your lived reality easy. Imagining you in front the women. Laughes. Great text. Follow writing your experiences' days in USA. Hugs. Davide.

    ResponderExcluir
  3. Sempre muito ler vc... Namastê🙏😘

    ResponderExcluir
  4. Oi Luciana, bonito texto!!!

    Nossa! Não sabia que Fridinha fazia tanto sucesso na terra do tio Sam!!!! Good for her!!!

    Ah, nesse texto, vc deixou de lado a grosseria de alguns americanos!!! Oh talvez vc não tenha passado por tal experiência. Menos mal!!!

    Acho que vc tem uma energia muito positiva!!! As pessoas gostam de vc!!!

    Beijos!!!

    Evelyn

    ResponderExcluir
  5. Legal mesmo Luciana, engraçado que de uns tempos pra cá estou com uma vontade enorme de ter um cachorro. Já Fernando, quer criar minhocas, ter minhocário, pense! Mas com essa vida louca que temos de viagens e casas separadas, nem minhocas nem cachorro...Frida realmente é lindíssima e acredito mesmo que deve chamar atenção por onde passa! Bjs!

    ResponderExcluir
  6. Interessante, gostei do seu dialogo com a "velinha".

    ResponderExcluir

Postar um comentário

Postagens mais visitadas deste blog

Ousadia

Presentim de Natal

Horizonte de Eventos