Conto de Deer





As manhãs de segunda são fadadas ao sono excessivo e ao resmungo. Sem falar no atraso e no esquecimento das coisas. As manhãs de segunda só não são mais excruciantes do que as noites de domingo. Então a indefectível manhã de segunda apareceu, com suas chatices habituais (os dias da semana também gostam de rotina, provavelmente). Tira os meninos dos sonhos, corre com o café para não perder o bus school, atira o pijama em cima da cama... 

O trajeto familiar rumo ao norte do estado de Nova Iorque é o diário: sempre bonito, bonito que enjoa. Nada de novo no dia que começa cinza até que ele salta na frente do carro: uma aparição do verde da mata para o chumbo da highway. Ele salta e meu grito salta com ele. Um grito de assombro e maravilhamento. Estanco o fôlego, suspense: será que ele consegue chegar do outro lado nesse vai e vem de carros enormes na hora de pico?

Um cervo, majestoso e volumoso, é flagrado pela retina na segunda-feira. Não é uma pedra no caminho, mas um ser vivo, viçoso e imponente, que transita entre os contos de fada e a realidade. Ele salta uma, duas, vara a barreira de proteção de concreto e pousa lépido do outro lado da via lotada. Vai ver que se toma por grilo ao invés de musculoso e portentoso cervo. E do modo que surgiu, desapareceu na mata à esquerda. O grito dentro do carro nem havia alcançado o ponto de exclamação. O voo do cervo foi mais rápido do que o meu espanto.

Só restou deixar o marido no trabalho e seguir pelas vicinais em busca do cervo perdido. A procura me leva a uma estradinha que indica um santuário ecológico. Adentro lentamente com o banheirão e vejo casas nas sombras dos red maples... Casinhas de boneca no meio da floresta. Maria ou Chapeuzinho para o carro na solidão do condado e pega uma trilha. Os irmãos Grimm lhe levam pela mão. 

As folhas amareladas tocam o chão como passos. É lindamente assustador. A menina segue mais um pouco, os passos aumentam, lhe cercam. Floresta adentro, ela sente olhos enfeitiçados à espreita se esgueirando pelos troncos úmidos. Um vapor entorpecente emana dos  musgos e cogumelos gigantes. 

Decide voltar antes que o conto de Hans Cristian Andersen se torne uma história de Edgar Allan Poe. Envelhecer dá medo.



Comentários

  1. Ai, Lu, cuidado! Só penso nas histórias de serial killers que pululam por aí... Palavras de uma pessoa muito medrosa.
    Bjs!

    Ana Claudia

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  2. Cuidado, menina! Com esse monte de maluco aí na Mérrrica!

    Ana Cristina

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