Cordis Codex



Sonhar faz bem para alma e atualmente eu só sonho em encontrar uma boa empregada doméstica. O cérebro povoado de Ayranis, Elisleines, Valdirenes, Neusirenes, Amandas, Flausinas, Aurilenes, Jucilenes, Edilenes... Alguém que cozinhe um feijão gostoso, que faz tempo que eu não como um feijão de verdade. Uns dois meses... E brasileiro sem feijão não funciona. Estou com delirium tremens, alucinações. Não sei se sobrevivo até o meu aniversário. 

Por que pobre gosta de nome terminado em ene e eni? Desculpe-me pela linha direta com a arrogância intelectual, com a pretensão erudita, mas chega a ser hilário. No meu bloquinho e na minha mente as terminações rimadas de nomes se misturavam. Em pouco tempo já nem sabia qual Lene era qual. Que confusão! O que essa galera tem contra uma boa e simples alcunha terminada em A? 

Mas quero falar dessa experiência de colocar anúncio de “Procura-se” no jornal. Foi nosso batismo. O classificado dizia: empregada doméstica/dormir/ apto Asa Sul/casal + 2 crianças. Salário: R$1.300,00. Choveram ligações. Acho que nunca falei com tanta gente em tão poucas horas em minha vida. E o pior: a mesma coisa. Poderia ter bolado uma mensagem tipo secretária eletrônica... Teria evitado a dormência na língua. 

Entretanto é importante sacar a pessoa desde o momento em que ela abre a boca. Sacrifício válido para eliminar quem ainda não saiu da idade da pedra da comunicação: 

- É aí? Emprego? É? 

Se a candidata não é capaz de falar seu nome e uma única frase com sujeito, verbo e completo em dois segundos, esqueça! Desse modo, metade do contingente ligante já está eliminada. E há gente que acredita que o Brasil vai para frente com essa massa populacional semianalfabeta. Como aproveitar essas mulheres no mercado de trabalho? Gemas brutas. Dá pena. Dá angústia. Cansaço. 

Todavia a ideia do anúncio é bacana. Vale mais a pena do que essas agências de emprego, que ganham uma grana nas suas costas e não fazem nada mais do que enviar três pessoas (ruins) para você entrevistar. As agências pedem os mesmos documentos que pedimos e fazem o mesmo tipo de checagem: nada consta criminal, comprovante de residência, referência... 

É impressionante o quanto essas meninas começam na vida e na lida cedo. A maior parte com 19,20, 21 anos e já é mãe de um, dois filhos. As que têm 42 já têm netos!! Quase todas criam os rebentos sozinhas, pois são abandonadas pelos companheiros e precisam trabalhar para colocar comida na boca da família. 

Ataquei de antropóloga e fui traçando um perfil psicológico e socioeconômico completo dessas mulheres das classes D e E. Não há como pensar que essa força de trabalho tenha alguma outra chance de melhorar a vida dos filhos sem que sejam empregadas domésticas. Não lhe restam alternativas com remuneração razoável. Algumas delas, inclusive, estão fazendo o caminho inverso: saindo de empregos no setor de serviços, comércio (que paga muito mal e explora absurdamente) para voltar aos lares de família. 

Ao final de 48 horas estou estafada e comovida com tantas entrevistas. Selecionar seres humanos para o desempenho de determinada tarefa é tão complicado e subjetivo. Agora entendo muito melhor a complexa responsabilidade das equipes de gestão de pessoas das empresas. Gente é feita de sonhos, expectativas, receios e preconceitos. Gente é feita de pobreza espiritual e material. De passados violentos, carências. E nessas horas, currículo pouco diz... O que sai da boca para fora precisa ser recodificado pelo alfabeto do coração.



Comentários

  1. Lu é tão bom acordar e ler o seu blog, sempre muito interessante, uma escrita gostosa e assuntos sempre tão pertinentes.Paciência, discernimento e serenidade nesse momento de escolher a pessoa certa, vai pintar!
    Quanto ao novo visual, adorei...senti vontade de me deixar levar pelas águas.
    bj.Namastê!
    Cynthia

    ResponderExcluir
  2. Lu,
    Realmente, as águas inundando toda a tela do computador estão muito belas e dão a impressão de movimento. Aprovado!
    Ah, afinal, quando sai seu livro com as pérolas dos meninos?

    Saudades
    Marcita

    ResponderExcluir
  3. Luuuuuuuuuuuuuuuuuuuuu!
    também gostei do visual! Há... existe luz no fim do túnel... temos que nos disciplinar e disciplinar nossos filhos para convivermos em um lar sem precisar delas (as enes) ...
    Hoje vivo sem elas, mas, entendo, os meninos na idade em que estão... fico aqui desejando que encontre alguém para partilhar sua intimidade, que mereça sua companhia, que esteja pronta para a limpeza, mas também para a aventura de pertencer à memória de uma família, estar entre os seus...
    Ana Lucia Darú
    bjoks (ainda estou com a tristeza que invadiu Santa Maria tão Guernicamente...) Tenho o hábito, ultimamente, de nao pedir nada a Deus, a não ser proteção para todos os meus queridos...
    bjos e tentemos conviver com essa memória...

    ResponderExcluir
  4. Lu,

    De novo escrevi um comentário no seu blog e ele sumiu e não foi publicado! Snifffff

    Bem, o que eu disse foi que adorei o texto (o último), que também estou nessa procura por uma pessoa pra minha casa e não vejo a hora de poder deixar os meninos sozinhos e viver sem empregada!

    Adorei a cara nova do blog. Essa água toda dá uma vontade de viajar! Apenas sugiro que você coloque uma sombra na letra laranja onde diz "Um espaço para a(tem um "a" sobrando) escrever o que nos der nas bolhas...", pois está difícil de ler.

    Vou ler os outros textos pra me atualizar.

    Beijos,
    Ceci

    P.S.: Afinal, conseguiu uma empregada?

    ResponderExcluir
  5. De fato a realidade nas empresas não é tão diferente, Lu. Basta ler as redeções que os candidados escrevem... É triste, preocupante, assustador! E olha que não buscamos mestres na lingua portuguesa. Queremos alguém que, simplesmente, consiga escrever de forma clara, objetiva e coerente, com o mínimo de erros gramaticais (por favor!!!). Será pedir demais para pessoas que concorrem à vagas que exigem do candidato nível superior completo?

    Mas não desista, Lu. Porque no meio dessa busca avassaladora, misturadas nessa multidão de pessoas perdidas, ainda existem aquelas que fazem a busca valer a pena... Sempre rola.

    Uma pitada de perspicácia, sensibilidade, paciência e amor podem ajudar. ;)

    Boa sorte!
    Ana

    ResponderExcluir
  6. Querida Lu, aqui é Regis(Bama!), teu amigo. Tudo Bem?

    Esse texto me matou de rir, sabia? Lembrei de várias tiras do Caco Antibes, personagem do FalaBela, em Sai de Baixo. Ele dizia a mesmíssima coisa dos nomes terminados em emes, enis, etc. E com aversão à classe assalariada, ele dizia ainda "pobre só quer ser crente pra chamar o outro de irmão!"kkkk, dizia o Caco Antibes, que, na ocasião tinha ficado pobre tb..

    Abraços, querida Lu!

    ResponderExcluir
  7. 1.300,00??? Ainda tem vaga??? Quero me candidatar!!!

    Meu nome termina com A, dona! E o meu feijão é gostosinho, fia! Sou limpinha e sobrevivo a uma adolescente!!! Tenho referências! (xi, referência de marido vale?)

    rsrsrsr
    Bjs!
    Patty

    ResponderExcluir

Postar um comentário

Postagens mais visitadas deste blog

Ousadia

Presentim de Natal

Horizonte de Eventos