Para vencer o concreto de Niemeyer

Canta, canta passarinho, canta, canta miudinho;
Na palma da minha mão
Quero ver você voando, quero ouvir você cantando;
Quero paz no coração
Quero ver você voando, quero ouvir você cantando;
Na palma da minha mão

(Geraldo Azevedo)

Ele aparece escondido entre os arbustos, piando alto. Sua cabeça listrada de cinza e preto surge em meio ao verde vivo. “Olha aí, já está pedindo comida”, explica Roberto Teixeira Barbosa, 45 anos, segurança do Superior Tribunal de Justiça há 18 anos. Essa rotina se repete há mais de seis anos na portaria lateral do edifício Ministros I: passarinhos de várias espécies fazem do lugar um porto-seguro para procriação e alimentação graças ao talento de Roberto para interagir com os bichinhos.

Roberto estala a língua e de repente já são dois tico-ticos. Ressabiada, a dupla vai se aproximando do pedaço de pão até dar a primeira bicada. Depois, é só alegria. “Eu comecei a conversar com eles, a chamá-los de nego... Eles foram chegando, chegando... Todo dia eu dou comida para eles. Quando não tem ração, coloco pão”.

E assim, com sintonia e paciência, Roberto cativou sabiás, joões-de-barro, beija-flores e os pequeninos tico-ticos. “Aqui só vem passarinho de raça. De vez em quando tem até pássaro preto, mas nada de pardal”. Orgulhoso, o amigo dos pássaros mostra o ninho de beija-flor há pouco tempo desabitado. Na moita de bambuzinho ao lado, também tem ninho abandonado de tico-tico. “Nasceram dois beija-florzinhos, eu tirei foto”, revela Roberto como pai-coruja.

Mas o segurança não está sozinho nessa aventura. Algumas servidoras que transitam por aquela portaria também aderiram ao movimento e trazem alpiste com vitaminas e ração balanceada própria para os sabiás. Francisco Carlos Alberto Arruda, 53 anos, funcionário da segurança desde 1989, é outro que também assumiu o compromisso: “Eu sou o substituto do Roberto. Quando ele não está, sou eu que coloco comida para os bichinhos. É bom demais!”

Roberto lembra que os passarinhos costumavam comer na mão dele e arriscavam, inclusive, a entrar no elevador. “Mas um ascensorista os assustou e agora eles ficaram mais ariscos, como as andorinhas, que tiram fino da gente e não se aproximam. Elas fazem ninho ali, ó”, aponta o segurança para o vão no concreto do Ministros I.

Entretanto nem tudo é satisfação. Zeloso, Roberto faz um alerta sobre as dedetizações periódicas realizadas no Tribunal: “Já vi três, quatro passarinhos mortos logo após o procedimento. Acho que deveríamos procurar um produto que fosse inofensivo aos pássaros”, pondera. Enquanto isso, Francisco recorda a fragilidade dos filhotes ao aprender a voar: “Eles batem no blindex e a gente tem que pegá-los na mão, fazer massagem para que eles voltem a tentar”.

Com todo esse amor, natural seria que Roberto e Francisco tivessem pássaros em suas casas. Nada disso. Liberdade é a palavra de ordem para os dois. “Eu sou doido para ter um papagaio, mas para criar solto. Passarinho tem de ser livre”, arremata sabiamente Roberto, o encantador de pássaros.

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