Louca por tempestades

Você já experimentou a velhice chegando a galope na sua vida? Que pergunta mais besta. Quem é que deseja uma coisa dessas? Mas às vezes é involuntário. Acontece. Eu não queria, juro, mas fui obrigada. Uma pseudogripe não me abandonava há mais de mês. Decidi, pela primeira vez, procurar um otorrinolaringologista.

Dor de garganta não faz parte do meu histórico médico. Ainda bem. Minhas amígdalas não foram extirpadas como foram de tantos da minha geração. Não pude tomar potes de sorvete para me recuperar da cirurgia, tratamento que me dava uma inveja daquelas. Mas eis que o meu ouvido direito começou a doer no meio da madrugada.

Agosto em Brasília é mesmo um tour de force. Deveriam dar férias coletivas para toda a população. As aulas retornando somente “quando entrar setembro e a boa nova andar nos campos”, ou seja, naquele momento em que a chuva, tão sumida, tão querida, retornasse para a salvação das vias aéreas superiores dos habitantes desse não regadio planalto central.

Então estava com otite. Algo surreal para mim. A primeira dor de ouvido aguda a gente não esquece. Fui para a médica que me indicaram porque não aguentava mais pigarrear, espirrar e desenvolver doenças da infância aos 39 anos. A otorrino, simpática, porém enérgica, saiu a enfiar cabos na minha garganta e no meu nariz.

Vídeo disso, vídeo daquilo. Treco esquisito e incômodo. Mas foi até divertido ver meus cornetos hiper atrofiados na tela. “Você tem um desvio do septo nasal”. Também? Levanta o dedo quem não tem o nariz torto!

“Acredito que esses sintomas são um processo alérgico”. Caramba, logo eu que me gabava de não ter alergia a nada. Brasília, agosto, velhice...Trinômio espinhoso. Mas o tiro de misericórdia veio mesmo com o tal exame de audiometria. Ela precisava checar se o meu ouvido havia sobrevivido à otite.

Primeira parte: outra médica também simpática coloca um fone em minhas orelhas e dá-lhe apitos de todos os jeitos a retumbar nos tímpanos. Segunda parte: a gente entra na cabine acusticamente isolada e o show de horrores já vai começar!!!

Inevitável não associar aquele teste ao programa do Silvio Santos nas manhãs de domingo de décadas atrás: você troca essa bicicleta Caloi supermegablaster por um chiclete? Sim! Quanta tensão e um bocado de crueldade havia naquela brincadeira. Acho que a médica estava se divertindo com o meu sofrimento assim como o sádico apresentador de TV morria de rir da gurizada em estado de pânico.

Instruções dadas: aperte o botão toda vez que ouvir um som. Qualquer som. E o jogo de gato e rato tem início. Você não sabe se ouve ou se aperta. É difícil fazer as duas coisas ao mesmo tempo e sob pressão. A gente se sente tolo e desprotegido. E voltei a me compadecer daquelas crianças presas na cabine sem ouvir o que o Sílvio realmente perguntava.

De repente, the sound of silence. Meu Deus, será que está apitando e eu não estou ouvindo? Será que já estou com perda auditiva grave? Aperto o botão na vã tentativa de enganar a mim mesma. E a médica lá de fora: “Nada?” Ai, ai, estou surda! Nem 40 e surda como uma porta!

Mas o pior estava por vir. A especialista pediu que eu repetisse as palavras que ela estava falando lá do lado de fora, do jeito que eu entendesse. Ela pôs a folha de papel na frente da boca e iniciou um ditado de ventríloquo. Não deu pra fazer leitura labial e a médica falou um monte. Saí a perseguir o som como se caçasse em desespero várias borboletas. Agora quem ataca é a velhinha da Praça é Nossa. É desolador... Como? Hein? Prata ou palha? Trator ou castor? Deixo a cabine vencida e convencida de que o aparelho Telrex se tornaria o meu fiel companheiro dali para frente.

“Isso é que é sentir a velhice chegar a galope na nossa vida”, desabafo exaurida. A médica dá uma boa gargalhada, pergunta se eu também sou gaúcha (outra pitada nonsense nessa tarde de hospício) e dispara: “Você está ótima. Audição dentro dos padrões da normalidade”. Mas e agora? O que faço com o meu coração quase infartado? Francamente, alguns exames médicos deveriam ser proibidos por fazer mal à saúde. Eu hein!

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