“Museu de grandes novidades”

Ultimamente, os versos de Cazuza em “O tempo não para” não me saem da cabeça. Acho que nunca uma música foi tão atual como essa, o que prova o poder do artista como sensível observador da sociedade. Sei que há muita gente que odeia Cazuza. Já recebi emails ofensivos sobre o compositor, citando que o cara era filhinho de papai, drogado, gay, promíscuo. “Se assim não fosse, não teria morrido de Aids, a doença dos perdidos”.

Mas, na verdade, o que temos a ver com isso? E daí se a vida dele foi o que foi? O que importa é o valor do cara como artista. E como artista ele é mágico, versátil, inteligente. Assim como outros tantos gênios criativos que também morreram drogados, prostituídos e muitas vezes incompreendidos.

Nestas férias rolou uma discussão entre a galera que estava compartilhando a casa de praia: quem foi o grande poeta do rock brasileiro? Cazuza ou Renato Russo? Meu marido votou no Renato, o amigo dele em Cazuza. Eu fiquei, digamos, dividida. Aliás, sem ter conhecimento técnico nenhum para afirmar o que defendi, disse apenas que não dava para comparar os dois. E acabamos nos esquecendo de Raul Seixas, que foi o abridor de caminhos...

Ambos foram gigantes. Cazuza na ironia, no ataque ferino às hipocrisias várias, no escracho e também, porque não, na docilidade de algumas de suas letras. Renato no lirismo, na poesia até beirando a inocência, o lúdico puro e simples. Em outras canções, deixava-se levar pela revolta juvenil, aquela que já foi capaz de transformar corações e mentes, estamos lembrados? Russo era assim: passional, confessional. Criou obras-primas como “Pai e Filhos”, que fez muitos papais e mamães enxergarem a música “barulhenta e louca” de seus rebentos de uma maneira menos preconceituosa.

Mas estou aqui nesta preleção que me fez desviar do ponto principal: por que este tempo não para nem um pouquinho só pra gente ficar de bobeira, hein? Caramba, todo dia é uma novidade tecnológica; é e-book ameaçando o nosso livrinho de papel milenar; é revisão histórica que põe por terra teses consagradas há séculos; Ipods que podem fazer miles coisas que os outros não faziam...Ai, ai, que saudade da minha secretária eletrônica!!

Fiz aniversário domingo destes e uma amiga que mora no Rio quis deixar um recado na minha secretária eletrônica. Coitado de nós, desta geração de transição que pegou máquina de escrever e computador. Revelação de filmes em película e impressão de fotos digitais. Que ouviu bolachão no toca-disco e hoje tem de aprender a lidar com o MP3 (ou já será MP20 e eu tô marcando touca?). Cruzes, esta expressão entregou legal a minha idade.

Não tenho mais secretária eletrônica...Ninguém mais deixava recado nela, pobre abandonada. Mas sabe que sinto falta de gravar minhas mensagens líricas com trechos de poemas escolhidos a dedo? E da reação das pessoas quando ligavam e ouviam "o poema do dia"? Que pena... Este prazer se foi, assim como o de ver uma foto surgir no papel na escuridão da câmara escura.

Ok, não guardo boas recordações das aulas de datilografia e daquelas fitas para apagar os R, S, T datilografados equivocadamente. Mas tenho, sim, nostalgia de um tempo em que os celulares não nos achavam em qualquer canto. Eu, inconsciente ou não, acabo deixando o meu em qualquer canto, assim ele não me acha. As pessoas não sabem a hora de parar porque o tempo não para. E o que a gente vive e cria, assim como Cazuza já previra há mais de 15 anos, é “um museu de grandes novidades”.

Obsolescência antes mesmo do florescer. Murchar antes do vingar. Situação esquisita que me deixa um pouco órfã. Tá, isso é papo de dinossauro. Mas eu sei que não sou obtusa. Eu não vou nessas festas dos anos 80 só pra curtir o que “era música de verdade”. Eu vou ao show do Franz Ferdinand!! Minha mente é eclética, só não pensa em terabites. Queria preservar um pouco de serenidade e consistência, não sei se já perdi o VLT da história...

Tudo, de certo modo, vai ficando pasteurizado. Ter um blog, por exemplo, todo mundo tem. Email, todo mundo manda...Mas uma secretária eletrônica com a sua voz inimitável, com os poemas que você escolheu, quem tem? Era legal surpreender as pessoas com um lance simpático e original. Muita gente se desarmava e deixava um recadinho: “ganhei o dia com esta poesia, obrigada”. E isso me fazia vibrar.

Agora venho sofrendo pressões bem intencionadas para ter o meu próprio blog. Eu fico um pouco na defensiva, indecisa. Pra quê? Será mesmo que eu tenho tanto a dizer para as pessoas? Quem sou eu para ficar destilando minhas ideias simplórias por aí? Sei lá, é uma obrigação de aparecer avassaladora hoje em dia. O mundo anda mesmo tão complicado, né, Renato?

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