Leitura obrigatória


Tá certo,vou admitir: a Luana Piovani é mais inteligente do que eu pensava. Além de escultural, novinha, sexy, também é dona de boas respostas. Pura covardia! A menina deu um show na entrevista da revista Monet, que, aliás, é uma publicação excelente para quem curte cinema, TV, séries, cultura pop, cartoons...Leio de cabo a rabo e sempre me divirto. Nesse mês, eles fizeram uma lista dos 100 melhores desenhos animados “de todos os tempos” e foi muito gostoso poder relembrar Corrida Maluca, Formiga Atômica, Manda-Chuva, Os Flintstones (para mim o BamBamBam, sem trocadilhos)

A melhor parte foi compartilhar a leitura com a minha cria, que também pôde conferir alguns de seus desenhos “favoritos” ali na lista. Passado e presente juntos. Ele reconhecendo os dele e conhecendo os meus e vice e versa. Scooby Doo ficou em primeiro lugar. Pode haver controvérsias, mas é sintomático o fato de o meu filho de cinco anos se amarrar nessa turma como eu também gostava quando tinha a mesma idade.

Pois é, o negócio agora é listar. As indefectíveis enumerações. Estamos tão soterrados sob toneladas de informações que é preciso pinçar algumas coisas que nos façam respirar, que nos ofereçam uma apaziguadora sensação – nem que seja só de brincadeira – de que o tempo ainda é passível de gerenciamento. Tem lista de tudo hoje em dia: 100 melhores vinhos, 1001 filmes, 500 artistas, 450 músicas...E, é claro, as listas das obras imperdíveis da literatura e também a famigerada lista de leitura obrigatória das escolas.

Sobre essa categoria, comecei a refletir sobre algumas notícias que li nos jornais. Descobri que dezenas de colégios espalhados pelo Brasil continuam a empurrar guela abaixo dos estudantes os mesmos livros que nos empurravam há 20 anos, os tais “clássicos”. Outro dia fiquei sabendo que a rede de ensino estadual de São Paulo fez uma lista que dispunha “Comédia da Vida Privada” do Fernando Veríssimo ao lado de “Crime e Castigo”, de Dostoiévski.

Meu Deus, o que é isso? Se eu, que gosto de ler, não consigo bater um papo com o “maior escritor russo de todos os tempos” (prefiro, de sobra, Léon Tolstói), o que pode acontecer com a cabeça de jovens criados no mundo do videogame e dos mangais? Não sei se obrigar um adolescente de 15,16,17 anos a viver essa experiência vai torná-lo um leitor bem resolvido.

Eis aí um assunto fascinante e misterioso: o que leva alguém a gostar de ler? Como transformar nossos filhos em leitores? Lógico que anseio ardentemente pelo dia em que verei meus filhos lendo, curtindo uma historinha, sentadinhos absortos em aventuras deliciosas emanadas de páginas cheias de letras. O maravilhar-se com o mundo bidimensional do livro...Quando esta magia acontece? Qual é o clique?

Cheguei à conclusão de que o importante é que a garotada leia. Ponto. Vamos deixar que primeiro se familiarizem com o objeto livro. As bibliotecas são fundamentais nesse processo. Agora que meu filho mais velho frequenta a Escolinha de Criatividade da Biblioteca Pública da 304/104 Sul, acompanho, na prática, as incursões dele até a prateleira, o folhear e escolher, a partir de seus próprios desejos, o livro que vai levar para casa. Não importa se temos dezenas de livros infantis nas nossas estantes pessoais; obras que são lidas diariamente para eles antes de dormir. Tomás faz questão de pegar outro a cada semana.

Acredito que o fato de ele próprio estar ali, num espaço comunitário, fazendo suas escolhas, deixa tudo mais instigante. Quem sabe essa não seja a chave do mistério para tirar o ranço de tédio da lista obrigatória das escolas? E se os próprios jovens pudessem optar pelos livros e autores? Tudo, claro, com uma supervisão, mas deixando-os tomar a iniciativa?

E por que insistir em autores de séculos passados quando excelentes escritores modernos nunca estão na lista? Deixem os tais clássicos para depois da iniciação. Ninguém pode querer chegar à lua sem a necessária preparação. No caso da leitura, é a leitura em si. A galera tem de ler e ler muito até se deparar com um Dom Quixote (eu ainda não li o suficiente para encará-lo).

Gosto muito do Guimarães Rosa, meu escritor brasileiro favorito. Mas sei que uma porção de gente detesta, nunca leu ou tentou ler e repudiou. Eu não gosto do José de Alencar, mas li Ubirajara e Iracema obrigada pela escola. Machado de Assis é bem melhor. Se as escolas adotassem alguns dos contos dele, os jovens provavelmente não estranhassem tanto. Contos são mais curtos e mais divertidos. Outra aposta de qualidade que costuma ser renegada são os livros da Lygia Fagundes Telles. Os romances e os contos dela são ótimos, bastante palatáveis para um público leitor ainda em formação.

De qualquer modo, não sou pedagoga e nem pós-graduada em Literatura. Só tenho a intuição de que obrigar adolescentes que nasceram num mundo multimídia a ler “O Cortiço”, “Senhora”, “Os Sertões” (chato para todas as idades) e outras obras “fundamentais” assusta, não aproxima. Se fosse montar a minha lista da adolescência, estaria lotada de Agatha Christie. Os críticos torcem o nariz, mas seus livros de importância literária questionável me abriram as portas para outras palavras. O prazer da leitura é gradual, é evolutivo. E pode ser despertado com gibis, Harry Potter e até Paulo Coelho (sim, tem doido para tudo).

Particularmente, não gosto de ler, apesar de ser eclética, livros de autoajuda ou do naipe de “Melancia”, “Diário de Bridget Jones” e afins. Concordo, e aqui cito Luana Piovani, “que o tempo individual é uma matéria-prima muito rara”. Mas, se “Fernão Capelo Gaivota” for o livro que vai fazer o seu filho começar a gostar de ler, valeu!

Fica aqui a minha opinião: mais poesia nas listas das escolas. É uma prazerosa maneira da criança/adolescente descobrir a beleza que existe nas palavras; a ludicidade do escrever. Mas nada de Camões, please! Vamos de Cecília, Quintana e Drummond...Se a galera aprender a gostar desses patrimônios da língua está pra lá de bom. “Os Três Mosqueteiros” de Dumas, uma Clarice Lispector para crianças...Vamos introduzindo devagar, desvirginando o cérebro hiperativo dessa criançada. Lima Barreto sem anestesia não dá.





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