Carne viva

        
“Quero ficar no seu corpo feito tatuagem,
que é pra te dar coragem pra seguir viagem quando a noite vem...”
(Chico Buarque)

Se você faz uma tatuagem, logo vai querer fazer outra. Essa lenda urbana corre por aí e nestes dias me parece que está mais real do que nunca. Dizem também que não se deve fazer tatuagens em número par. Ou é uma ou são três, cinco, sete... As tatuagens ímpares dão sorte, é o que falam os interessados no assunto. Sei lá que superstições alimentam estes comentários disseminados nas rodas de conversa, só sei que está crescendo em mim a vontade de me tatuar novamente.

Minha professora de yoga já tem nove. O marido da minha amiga diz que já está a fim de fazer a segunda e eu, como ele, também. Talvez vire três, porque, afinal, não vale a pena dar mole para o azar. É engraçado que a gana vai tomando forma aos poucos, como uma espécie de obsessão. Deve ser por isso que tanta gente tem tantos desenhos espalhados ao longo do corpo.

Hoje entendo este afã de ser uma pessoa que carrega uma mensagem na pele. Ando até assistindo àquela série Miami Ink. Puxa, é impressionante o que os caras conseguem imprimir nos clientes. Os tatuadores são muito bons e os desejos de quem os procuram é um mosaico tão infinito quanto é a criatividade humana.

Foi assistindo ao programa que compreendi que a tatuagem é mesmo uma arte. Não é exibicionismo. É uma necessidade de expressão para os que não carregam o talento de um pintor, de um cantor, escultor, escritor...A gente se tatua porque precisa mostrar ao mundo o que a gente acredita. E acredita tanto que tem coragem de marcar a pele para sempre com a nossa crença. Claro que rola um modismo aqui e acolá, um impulso idiota que às vezes faz com que a pessoa tatue algo que não lhe fala ao coração. E aí, meu chapa, o bicho pega. O arrependimento é atroz. Haja laser ou outras tentativas de cobrir a tatuagem vazia com uma repleta de alma.

Acabo de recordar aquela maluquinha que tatuou mais de 50 estrelinhas no rosto... Ela quis ou não aquilo? Se arrependeu logo em seguida ou foi ludibriada pelo tatuador? Talvez nunca saibamos o que de fato aconteceu naquele dia, mas só sei de uma coisa: a gente só pode se tatuar se for pra valer. Se for porque o seu corpo e a sua mente estão em sintonia para transmitir aos outros o que você precisa comunicar. Você tem de ter consciência de que será uma espécie de eterno cartaz ambulante, levando onde você for a sua mensagem gravada em tinta.

Eu sempre quis fazer uma tatuagem. Mas só encontrei o desenho pelo qual me apaixonei aos 32 anos. Caminhava pelas ruas de White Plains, no estado de Nova Iorque, quando bati o olho naquele peixinho meio gótico, meio “sereio”. Sim, estive à procura daquele ser fluido a minha vida toda e não sabia. Era a mística enigmática daquele desenho que eu queria para mim. Ele era eu e eu era ele, viagem total. Entrei na loja e o cara me cobrou 100 dólares para fazer o trabalho. Paguei, mesmo achando salgado. Afinal, a materialização de um desejo, como ensina o Mastercard, não tem preço.

De lá pra cá, nos tornamos amigos inseparáveis. Ele vai comigo para todos os lugares e aguenta as minhas barras. Na verdade, ele não larga do meu tornozelo, o pentelhinho. Brincadeira, sou louca por ele. Uma mulher de peixes com um peixe tatuado na perna. Bem, soa algo óbvio, mas não é . Tem gente que nem reconhece um peixe no meu peixe e é isso que me diverte. Agora, sete anos depois (um número um tanto cabalístico, se estamos falando de misticismos), me vejo sonhando com outras tatuagens. Mas o caminho entre decidir e fazer tem de ser maturado. Uma tatuagem é muito mais valiosa do que um vinho de excelente safra, que me perdoem os enólogos.

Ando fazendo umas pesquisas na web, o Miami Ink também está me cobrindo de ideias interessantes. Outro dia vi o testemunho de uma DJ que tatuou uma linda flor de lótus no ombro. Ela estava fascinada pela descoberta da yoga, disse que a prática mudou a vida dela. Uau, me identifiquei de imediato. Por que não?

Mas, antes disso, eu já vinha matutando a possibilidade de tatuar o signo dos meus dois filhos. Um touro e um leão: meus filhotes. A África sempre esteve nos meus devaneios mais queridos. Curto ver os programas de animais sobre grandes mamíferos. E os felinos são magníficos, apaixonantes...Quanto ao touro, tem tudo a ver com o meu lado rural. As memórias mais doces são as da fazenda da minha família. Não sou Scarlett O'Hara, porém sinto que tiro minhas forças da terra. Seria coincidência meus dois filhos nascerem sob estes signos tão emblemáticos para mim? Alguns dirão que sim, mas para uma pisciana, isso pode virar pretexto para um texto ou para belas tatuagens, tanto faz.

O legal é saber que estarei com os meus filhos no meu corpo, mesmo quando eles estiverem seguindo caminhos diversos em pradarias alhures. Eles vão me guardar, me proteger, porque é isso o que sinto e não o contrário. São eles que me trazem a luz da consciência; que não me deixam mergulhar na melancolia e no desespero da árida existência.

Tá bom, já chega. Os tatuadores vão erguer bustos meus nas praças. Ou melhor: vão me tatuar em suas costas em sinal de gratidão. Não escrevo, pois, mais nenhuma linha. Não quero que comentem nas tais rodas de conversa que isso aqui virou matéria paga. Fui.







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