Epístola


“O pequeno, sensível, insatisfeito, pisciano.

Por que você não simplesmente aproveita?

Eu não sei.”

(Kurt Cobain)



Coração miúdo 

moído 

estrangulado

no aperto do laço.

Vivo esgarçada, não nego.

Suturo quando puder.

 

Pedra Azul

(Roseana Murray)

Nos dias em que acordamos do lado do avesso

e tudo parece que vira abismo,

basta comprar no Armarinho Mágico

a pedra azul de mudar pensamentos.

Segure a pedra com força

e feito um moinho moendo palavras,

tristeza vira alegria

e dor vira poesia

[08:45, 15/04/2024] 

Amada ParaKarlola, bom-dia! 

Que bom é começar a segundona com você me trazendo palavras tão bacanas. Sim, a felicidade não está no externo, mas dentro. Não digo nem felicidade, pois seria demais para mim. O contentamento está em mim, deve vir das minhas entranhas. Mas tenho um nó nas tripas danado. A tal "depressão branca", a ausência de ambos os pais na primeira infância. Um, literalmente, pois faleceu aos meus 11 meses. E da mãe, impossibilitada que estava de ser apenas e tudo mãe, exatamente por causa da viuvez. 

Fragmentada estarei sempre, a questão é como sair desses momentos tão psiquicamente paralisantes. Minha terceira perna era escrever. Nunca depositei nos filhos ou no casamento a esperança de que fossem me livrar dos tormentos anímicos. Mas agora escrever me parece sem sentido também e isso tem me assustado bastante. Não estou conseguindo encontrar alívio nas coisas claramente bacanas: casa nova, meninos bem-resolvidos (apesar de uma mãe capenga). A sensação de deslocamento e de não-pertencimento que sempre me perseguiu está me eclipsando, mas ao menos tenho consciência disso. De que preciso de ajuda, de luz. Eu não amo a minha vida, a verdade é bem essa. Nunca amei. Meu amor é em pedaços. Carcomido e rachado, caquinhos recolados à exaustão.

O que me falta ainda é o que os japoneses chamam de Ikigai:  Já ouviu falar em ikigai? Essa pequena palavra tem inspirado pessoas do mundo todo na busca das questões existenciais que nos dão propósito na vida. Identificar a paixão, a missão, a profissão e a vocação. Não tenho ideia de quais sejam as minhas, pois escrever talvez não seja. Não acredito que serei um dia reconhecida como escritora. 

Adoraria viver nesse mundo artístico dos debates, das exposições, da literatura... Acho que realmente preciso entrar no curso "Teoria, Crítica e História da Arte" na UnB e reprogramar toda a minha trajetória. Começar a me encontrar confortável em algum lugar a partir dos 53 anos de idade; virar a chave de vez. Será?

Estou louca para conferir a adaptação para o cinema de “Paixão Segundo GH”, livro que mais gosto da Clarice. Eu também li o livro da antropóloga que sobreviveu ao ataque do urso, “Escute as Feras”. É incrível! Adoro antropologia e se há algo de que me arrependo foi ter abandonado o curso lá nos anos 1998... 

Se há um mal que veio para o bem com esse episódio brutal e quase fatal com a poetinha maravilhosa Roseana Murray, é que agora ela passou a ser mais conhecida do público, né? Ela ainda não se tocou disso, mas seus livros já devem estar vendendo mais com toda a repercussão. Eis um dos efeitos colaterais do tal "Ministério das Belezas" (adorei essa ideia). Ela vai virar uma canhotinha como eu, que coisa. 

Falando em belezuras, te mando mais fotos da roça onde cresci, do cerradão nativo, onde minha irmã Nena ainda mantém um chacarazinha. Abreijos, minha mentora! Essa sorte eu tive na vida: esbarrar com mentoras: minha madrinha, minha vizinha da infância, Maria Inês, outra vizinha bruxa, tia Denize, minhas professoras na infância: tias Leonora, Vanilda, Grace e Diolinda (todas elas sentiam a carência existencial e o potencial da menina órfã e me acolheram com carinho, me colocaram no colo e me levaram até para a casa delas algumas vezes). A professora de inglês americana, Mrs. Molly, que também me levou para dentro do convívio intelectual dos nova iorquinos, para dentro de sua casa, imagina!! De sua família... E que me presenteava com ingressos caros dos eventos de dança porque sabia que ali estava uma jovem brasileira vivendo um sonho além das possibilidades. E a mestra de Yoga Cynthia, uma grande incentivadora, que me levou até você.

Nossa, estou escrevendo um livro aqui! :)

Abreijos! Te amo!

Luludi










 

Comentários

  1. São nesses descontínuos da nossa alma que achamos o caminho.
    Por que? Não sei. Só sei que é na dor.
    Está no caminho, minha querida! 💕

    ClaudiaJardim

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  2. 👏🏻👏🏻
    Acordei do lado do avesso hj. Corri no meu potinho mágico de pedrinhas e achei uma azul! Mas na verdade, a vontade é de jogar na cabeça de alguém!🤣

    Maria de Fátima

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  3. que linda a sua jornada Lu 🤗 é assim que vamos vivendo…o propósito está em cada passo , na presença, nas lembranças, e quando a gente consegue colocar isso numa escrita, é uma terapia🙏🥰
    Cynthia

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  4. Lu, lendo aqui sua Epístola eu me lembrei de um sentimento que me ocorreu outro dia: a liberdade de não ser nada! Sabe que soou muito libertador para mim. Eu já pertenci a várias coisas nesta vida, ou melhor, eu já experimentei várias escolas, caminhos, trilhas. Fui lá, provei, com algumas eu me refastelei, cumpri meu objetivo e segui por outros caminhos! Talvez algumas pessoas tenham vindo ao mundo com esta liberdade, a liberdade de não ser coisa alguma. Eu achei muito poderoso este sentimento de não ser nada e ser tudo... seguir livre sem precisar dar satisfação, sem seguir um modelo, uma teoria.

    Bianca Duqueviz

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  5. Ahhh, Lu... Eu ri do seu “nó nas tripas”, mas logo me envolvi e me condoí com o “Fragmentada estarei sempre”. Às vezes me sinto fragmentada também; me identifiquei com muitos sentimentos seus (será a casa dos 50 uma nuvem louca??Afff!).
    Mas assustei-me quando li: “Mas agora escrever me parece sem sentido”! Nããããoooo! Vc escreve maravilhosamente, e sabe disso! Imagina quantas almas você já tocou com seus escritos!!! Isso é uma dádiva! Aposto que muito mais que muitos famosos! O sucesso é uma cilada; a gente sabe que não vem casado com talento e dedicação, infelizmente! Muitas vezes, é sorte, depende de onde está, quando, com quem... Buscar o “seu” Ikigai... Ahhh, isso me perturba há anos! Kkkk Confesso que já perturbou mais. Estou tentando simplificar e descomplicar, fugir das cobranças do mundo e tentar não querer entender tudo, “tantos mistérios entre o céu e a Terra”... Hoje, acredito que minha missão é só viver, observar a vida, tentar me conhecer mais (vivi sem me observar até os 50, é mole???), curtir a natureza, as emoções que a vida e as pessoas me proporcionam até que chegue a hora de partir para o outro lado! E se tiver que voltarmos, bora lá! E se tiver que seguir para outros mundos, bora lá! Espero te encontrar em todos eles!!! :)

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  6. Buongiorno minha cara. Uma carta testamento foi o que eu li. Um passeio por tantas emoções. Não quero aqui pontuar as minhas. Ficarei um tempo a mais com cada pequeno gole de tudo e nada. Mas, ouso questionar o ser conhecida como escritora, afinal, nesses estranhos tempos em que vivemos, qualquer um é famoso e a maioria dos escritores passaram pela vida, em branco. Mas os que eram bons, ganharam nova vida.

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