Lost in translation


ParaKarlola amada,


Acho que as cartas são o veículo perfeito para as confissões. Então aqui vou lhe contar segredos da viagem à Grécia.

Hoje vesti nossas saias-gêmeas e me lembrei da tentativa de tirar fotos bacanas de nós duas como espelhos uma da outra.

Acordei nervo exposto, saudosa do que já não volta. Calcei minha sandália nova, confortabilíssima, meio troiana gladiadora, vibes helênicas. O edema no entesófito do glúteo mínimo segue com o seu incômodo latente. Será para sempre? (só para rimar, deus me livre!).

Pois bem, as fotos gêmeas siamesas não vingaram. Me achei enorme de gorda em todas elas. Os peitos fartos pulando do seu delicado bustiê de crochê que você insistiu que eu usasse.

Sei que você já me cobrou os registros e eu despistei. Sei que tenho trauma de mamas superdesenvolvidas. Pedi ao cirurgião que me deixasse despeitada como a Nastassja Kinski, mas ele se recusou: tá louca?

Hoje, a saia florida rosa (a sua é verde) está mais folgada. Perdi medidas, o que é ótimo. Estou com o espírito mais leve, deve ser isso. Parei o Prozac que me acompanhava desde um pouco antes da pandemia.

Mas voltando aos relatos de viagem não revelados, preciso confessar que quase perdemos o embarque no Ferry naquela quinta-feira. O passeio a pé matinal pela Nossa Senhora de Copacabana ateniense, sem celular (eu e minha cabeça ventoinha), me proporcionou uma experiência apavorante, ParaKKKarlola.

Tenho memória fotográfica, o olhar apurado. Gravo letreiros, grafites, árvores. Pois, sim, confiei nessa habilidade e fui. Ao retornar, não me toquei que a avenida faz uma pequena e decisiva bifurcação à direita. Entrei nela distraída como sempre e segui. 

Aos poucos, percebi que não reconhecia meus pontos visuais de referência. O tempo se encurtava para chegar em tempo para o nosso compromisso. Me dei por vencida: estava perdida. Perdida e semianalfabeta numa capital de língua alienígena. Cadê o Google Maps que ficou no seu apê? E o seu telefone que eu não tinha anotado num papel para sacar da bolsa em caso de emergências como aquela?

No desespero, resolvi pegar um táxi. O seu endereço eu sabia de cor. Mas como pegar um táxi? Não tinha esse conhecimento. Eles passavam por mim e não paravam. Haveria um ponto de espera certo? Um gesto certo?

Enfim encontrei um deles parado e supliquei pelo amor de Deus que me levasse ao 25-27 da Philadelfos Street. O senhor não entendia inglês, mas não esmoreceu. Tomou para si a missão de salvar aquela mocinha amalucada de seu infortúnio mortificante.

Ficamos quase meia hora entre google translator, google voice, google aflição, ele e eu.

Como milagre, após tantos minutos infrutíferos, o aplicativo leu o comando de voz dele da forma correta e a foto da portaria do seu prédio apareceu na tela do celular.

Estava salva de não cometer a maior gafe da viagem. As pernas tremiam, o suor escorria. Você abriu a porta um tanto apavorada com o apertado da hora. Com razão me deu uma pequena bronca. Disfarcei o pânico, pedi desculpas e guardei o segredo comigo.

Ainda bem que tivemos uma noite inteira no Mar Egeu para eu recuperar a paz de espírito de novo.


Com amor,

Lulu.

Comentários

  1. Caracas Lu se fosse comigo eu ja tinha infartado.......

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  2. Kkkkkk muito boa confissão e confusão…ri muito!!! eu sou bem prevenida em lugares que não conheço, mas acho um barato quem se lança na doida🙏🥰
    Cynthia

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  3. Sabe o nome popular desse seu edema glúteo?
    Sabe?
    Não?
    É íngua na bunda.
    Tente dizer em voz alta.
    Parece o nome de uma nativa do Zimbábue, mas é só esse troço que te acomete.

    Valdeir Jr.

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  4. Afff! Que experiência horrível! Ainda bem, que no final, seu anjo da guarda resolveu dar uma mãozinha e lhe "salvou"...
    E que sandália mais linda, essa!!Modelo, conforto e cores pra lá de incríveis!!!

    Marilena Holanda

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  5. Minha preciosa Lulu, além de ser uma das mais brilhantes cronistas que eu conheço, agora percebo também que o talento da representação é abundante em você, pois eu, em total desespero, inspirando duas vezes e expirando oito, tentava me acalmar, andando pelos quatro cantos da casa: “Para onde foi essa mulher, meu Deus?" Nem de longe você deixou transparecer sua aventura. Obrigada por registar como uma “bronquinha”, muito delicado da sua parte, nós sabemos que não foi assim; eu fiquei brava mesmo!
    Ah, minha doce Lulu, há tanto mar, há tantas ilhas em que podemos nos aventurar! Só que, da próxima vez, antes de pegarmos o barco, você não me vai para canto algum!

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  6. Eita que tenso, Lu! Adorei o relato ☺️
    Tudo bem aí ? Ri muito de um dos comentário ao seu texto , o que fala sobre a sua lesão. Íngua de bunda??

    Clarice Veras

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  7. Aí Lú, esses perrengues de viagem se não acontecem, não saímos de casa.
    Adorei sua aventuras helênicas!

    Renata Assumpção

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  8. Que aventura!
    No final... foram felizes para sempre!!! ❤️
    Eu também já passei por um apuro desses...
    Quando a gente chega do outro lado nem sabe como acabou dando tudo certo!
    Deus no controle!
    Grande beijo,
    Larissa Bastos

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  9. Tô rindo.....já fiz isso de confiar na memória e achei que fosse dormir sobre as batatas de uma.mercearia bem pobre no subúrbio de Londres...A sensação é ruim, mas o cérebro é ágil em encontrar uma saída, mesmo que não seja a melhor....rs....

    Re Osório

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