O mato de molecagens apronta novamente


O quase é um instante que, muitas vezes, nos passa batido, sem reflexão. Diariamente convivemos com ele, mas, de tão efêmero, quase sempre se dissolve na rotina. Quem já parou para pensar seriamente na natureza do quase como um momento crucial entre sim e não, vida e morte, azar e sorte?

Todo dia a gente quase faz (conscientemente ou não) algo que poderia mudar nossa trajetória dali em diante. É sério, gente. O quase, essa palavrinha determinante, advérbio de intensidade que torna a existência mais surpreendente. 

O domingo de Páscoa me fez levar o quase em atenta consideração. Renasci, literalmente. Ou morri, quase.(Olha a magnitude da epifania).

Estive frente a frente com a angustiante sensação do “e se”, condicionante que também tem seu quinhão de fatalidade. Dois quases me mostraram o seu poder de decidir destinos, de abrir ou fechar caminhos.

E quantas pessoas também não estiveram assim, de cara para o cabal, num domingo de Páscoa qualquer, de um ano qualquer… Riobaldo, viver é mesmo muito perigoso. Para morrer, basta estar vivo. Se bem que tem gente que existe num umbral aí, né? Zumbizando. Morreu e esqueceu de deitar.

Acordei sonolenta no domingo, na doce expectativa dos ovinhos de chocolate. Cuzco, o gato, me saudou com o seu “tô com fome” habitual (mãe é sinônimo de nutrição entre todas as espécies). Resolvi os miados de um e o latido da outra e fui cuidar do meu café.

A manhã serena foi quebrada pela chegada do clarinetista de Pan no indefectível roupão The Big Lebowski. Ele passou reto para o sofá; eu segui sentada à mesa da cozinha, curtindo uma reportagem do Globo Rural sobre o aproveitamento de produtos feios na aparência, deliciosos no sabor. (Quem vê casca não vê coração).

Eis que Rômulo pega Cuzco em flagrante delito. Crianças e filhotes aprendem rápido a se arriscar no interdito. O gatinho havia, enfim, conseguido saltar rumo ao parapeito da janela do terceiro andar, justo na parte que não tem mais tela de proteção.

Alguns segundos a mais e nos restaria apenas chorar o acidente. Em face da descoberta, achamos melhor fechar todas as janelas até a instalação das novas redes. E foi o que fizemos para passar o domingo pascal na roça.

Na roça em que uma das sobrinhas quase morreu devido a uma picada de aranha Armadeira; na qual um dos meus primos quase morreu afogado no rio Corumbá e, recentemente, minha prima quase caiu do cavalo chamado Tenor.

O número de quases e de e ses numa fazenda tende a ser grande. A vida está por um fio para homens em interação com a natureza selvagem.

Eu que tive a sorte de nunca estar numa situação-limite por lá, apesar dos inúmeros esforços durante a infância e a adolescência para viver perigosamente, quase bati as botas aos 52, exatamente por estar sem botas.

Ela atravessava a estrada de chão batido. Eu caminhava distraidamente como quase sempre. Trazia Frida à guia e Rômulo ao lado direto. Foi ele, de novo, que neste domingo salvou mais uma vida. Mãe, olha a cobra! gritou quando eu pousaria o pé no exato corpo esguio e diminuto da réptil.

Pulei para trás, a alma quase saiu do corpo, mas me recompus e, de uma distância segura, dei um zoom do celular na pequena potente. Não tinha ideia se era peçonhenta ou não. Tão fininha, quase mimetizada na terra. Ao ver a foto, o sobrinho mais experiente com a lida rural garantiu: jararaca. “Elas são assim pequenas mesmo, porém, mortais”.

Se Frida estivesse me puxando à frente, seria ela. Como ela estava com preguiça e era eu quem a puxava, seria eu. O anjo da guarda Lebowski foi muito eficiente no dia de descanso de Deus. Comigo ficou o espanto de quase partir desta para melhor sem jamais ter a certeza de que lá seja de fato mais emocionante do que aqui. E se não for? 


Ficou a fim de ler outras histórias cabulosas desta roça? 

Comentários

  1. Uauuuu!!!! os “quase” são recorrentes em zona rural…aqui tem muitas cobrinhas dessa na estrada🤓atenção!!!!
    Cynthia

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  2. A Aranha foi um dos meus quase mesmo kkkk
    Topei com uma grande no banheiro quando fui tomar banho, lembrei na hora daquele dia.

    Renata Assunçāo

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  3. Caramba! Mas, sou apaixonada pela espécie, Lu! 🫣
    E adoro tubarões tb!😅

    Fátima Vanceslau

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  4. Depois das reiteradas aparições desses répteis curiosos e, às vezes, perigosos, resolvi entrar num grupo de biólogos e herpetólogos da UnB no decadente Facebook. Faz uns três anos e posso dizer que estou me tornando, desde então, um especialista em identificar esses animais. Pelas fotos, parece mesmo uma jararaca, mas, devido à resolução, não consegui ter certeza de qual Bothrops é, mas também suspeito que pode ser uma Xenodon Marremi (boipeva), que adora mimetizar as outras. Manda pra mim uma foto dessas pelo zap, por gentileza. Fiquei curioso pra confirmar essa identificação. Pode ser? Adorei mais essa aventura. Ah, também vi a reportagem dos vegetais esquisitões. Adoro o Globo Rural. Raramente eu perco. Até hoje não sei como dispensei agronomia em Viçosa, cheia de manga ubá, pra estudar política e direito em Bsb…rs

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  5. Uau, Lú, que domingo aventureiro, que bom que tudo se resolveu da melhor forma.😘

    Renata Assumpção

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