O canal do Panamá





Que primeiro sutiã que nada. O que a gente nunca esquece de verdade é o primeiro tratamento de canal. Vá por mim! Aliás, você já deve ter ido. Pouca gente chega aos 43 anos virgem dessa experiência, não é verdade? 

Mas lá está euzinha ontem com uma imensurável dor de dente. Foi a minha estreia. No dia anterior o dentista, já havia feito misérias no meu molar inferior esquerdo, o de número 36, tentando salvar a vida daquele pequeno ser branco, do devastador ataque de uma cárie insidiosa e sub-reptícia. 

Sai do consultório torta de anestesia e com uma dor que só triplicou de intensidade ao longo das 12 horas seguintes. Em profunda agonia, liguei para o meu primeiro algoz que vaticinou: “Então é canal!”. E lá fui eu, de emergência, parar nas mãos de outro torturador lacônico. 

Vocês já repararam que esses homens de branco sentados ao nosso lado parecem psicanalistas? Ficam ali só a nos ver sofrer sem emitir palavra. Em compensação, as mãos estão sempre frenéticas a trocar de parafernália para parafernália cada momento mais sinistras. 

Não adiantou eu dizer que gostava muito de perguntar por ser jornalista. Ele logo deu um jeito de me calar com uma agulha gigante e fina que atravessou minha gengiva. E isso foi só o começo. “É o seu primeiro canal? Interessante. Vou alargar para depois preencher”. Mais ou menos isso foi o que ele disse, já me perfurando com mais anestésicos. 

Eu só podia ver com o canto de olho os números de série da luva de látex. Tentava ler aquelas impressões digitais mínimas sem óculos. Um modo de não pensar que aquele homem que eu nunca tinha visto mais gorda ou mais magra, estava devassando a intimidade do meu dente enfiando e retirando brocas de variados tamanhos de outros tantos variados orifícios que eu mal sabia que existiam no meu molar. 

Era um cavucar sem fim. “Número 4, 5. Azul, amarela”. E a diligente assistente lhe providenciava tudo de pronto. Daqui a pouco ele pingava algo que parecia cola líquida transparente ou seria ainda mais anestesia? Deus, me senti na Cracolândia, porém sem barato. Aliás, muito pelo contrário, pois dentista é caro pacas. 

Apertar, enfia, tira, puxa. Gosminhas daqui, gosminhas dali. Cerinhas de cores diferentes. Vai e vem. E o meu canto de olho começou a se cansar daquele yoga. Respirei fundo, meditei vários Oms e mergulhei num semi torpor: logo, logo termina a construção do canal do Panamá... 

Sinceramente, dentistas guardam parentesco com os piores torturadores da longa história de barbárie da civilização. Sádicos e psicopatas que se esmeram no trabalho meticuloso de tirar a vida dos dentes alheios. Faces impassíveis que se escondem atrás do disfarce perfeito: a autoridade medicinal. 

Deveriam fazer teste psicotécnico classificatório para deixar alguém tratar da sua boca. Vá por mim! 


Comentários

  1. Nós dentistas vemos essa situação de outro ângulo....acreditamos que estamos ajudando as pessoas livrando-as da dor....Rsrsrs....mas já estive do lado de lá...e como qualquer intervenção , realmente não é nem um pouco agradável...bjos e bom tratamento de canal!

    Marina Caldeira

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  2. hahaha...desculpe-me Lu, mas seria trágico, se não fosse vc relatando a situação,
    sendo assim, cômico! realmente é horrível, boca escancarada, seca,olhos lacrimejantes, sons mil que ecoam dentro da cabeça, sensação de carne morta por conta da anestesia, mas faz parte, é o que é, espero que estejas bem agora.
    bjs.Namastê!
    Cynthia

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  3. Que bom Lu, que é o seu primeiro canal e acredito que o último! Eu que o diga como é desconfortante fazer canal! Eu já fiz 6 canais e espero nunca mais ter que fazer!!!!

    Leila

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  4. Estreante no canal? Parabéns! Eu estou nessa desde os 10 anos, qualquer coisa, acho que já consigo com um bom espelhinho tratar o meu sozinha, de tanta experiência rsrsrs. Já passei por diversos tipos de procedimentos e cirurgias e sensações angustiantes, vc não tem ideia. Na última sessão de tortura, senti-me como se minha boca fosse um canteiro de obras, juro, ele fez a fundação de um prédio com esmero lá dentro!! Incrível! Quase pedi um fone de proteção contra os decibéis que me furaram os tímpanos! A única coisa da qual não posso reclamar é que meu dentista é um gato e um gato com covinhas kkk! Assim fica um pouco menos torturante e difícil vencer o medo, a dor, a gastura e o tédio... :)

    Patrícia Bustamante

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  5. A oralidade é fator importante mesmo. Não é fácil entregar a nobre boca a um estranho. Também é tão complicado abandonar hábitos que levem aos problemas bucais e dentários. O caminho é mesmo a prevenção (termo que evoluiu para "promoção de saúde", Nós, dentistas, estamos sempre buscando melhorar a qualidade de atendimento). É por isso que invisto tempo nos "meus" pacientes bebês... Adoro contribuir para vida sem cárie... Entendo perfeitamente o desconforto, a tensão, a insatisfação e o medo de muitos e muitos adultos quando se fala ou se brinca com a profissão. Entendo também a dor no coração do/da profissional que sente desconforto parecido quando se deparam com momentos como esse. O importante é trabalhar mais e mais tentando fazer com o que os valores e as impressões dos cliente/pacientes mudem e a confiança seja a grande companheira nesse dueto! Rs. Forte abraço!

    Luciano Villalba

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  6. Adorei! Também tenho pavor de dentista. Só o cheiro do consultório me deixa em pânico. Afinal, somos do tempo em que a visita ao dentista era para consertar o que já estava bichado, ao contrário dos nossos filhos, que fazem prevenção todo ano... Ah, eu não fiz canal ainda. Aliás, achava que neste ano ia rolar alguma obturação, já que fiquei dois anos sem ir ao dentista. Mas escapei ilesa...Espero não fazer, nunca.

    Bjs!

    Ana Cláudia

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  7. Ah, eu sei que vc também é exemplo nessa área! Mas o Gustavo beira à loucura rsrsrs. Vixe, canal é uó! Aquelas agulhinhas mexendo com seu nervo e nervos! uuuuuui!!! Gostei muto do texto.. Uma ótima saúde bucal prá vc! kkk

    Bjs!

    Patrícia Bustamante

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  8. Tratamento de canal?!? Isso é brincadeira de criança...
    Implante é muito mais legal... Dá para saber direitinho qual a sensação de uma parede (se ela sentisse alguma coisa) quando a furadeira a ataca.
    Meu endodontista é sensacional. Conversa muito, explica tudo e te trata com muita empatia. Ainda atende Plan-Assiste. Você deveria ter pedido indicação né?

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    Respostas
    1. Larinha,

      mas o dentista foi muito bom, eficiente. Não tenho o que reclamar além do tratamento em si, que é sempre desagradável pacas. Ele era lacônico, verdade. Poderia ter tido mais paciência para explicar à novata de canais. Fora isso, o serviço ficou muito bom.

      Mas, de qualquer modo, vou pegar o nome do seu. Não paguei nada não. Ele aceitou o plano também. Só que a gente sabe o quanto dentistas cobram caro, certo? Não dava pra perder a piada pronta no texto. :)

      Abreijos,

      Lulupisces.

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  9. Tadinha da Luciana... Sofreu bastante hoje, mas foi por uma boa causa!! Bjao

    Evelyn Lara

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  10. aaaaaaaaaafffffffffffff não suporto tudo isso. Desculpa minha irmã Marina Caldana Assumpção Eiras, fala sério hein???? Não fiz canal. Já imaginou eu nessa situação???? Não né ...então tá...tô fora dessas maquininhas esquisitas por enquanto....

    Luciana Caldana

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  11. hehehehe, Lú verdade. Ainda bem Marina Caldana Assumpção Eiras que só tive uma nos meus 53 anos e não me lembro de ter sofrido dor pior e olha que já passei por uns perrengues.

    Renata Assumpção

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  12. Concordo com tudo que relatou....kkkkk...é assim mesmo!

    Sinara Pedroza

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