Quem conta um conto aumenta um ponto...




Meu filho mais velho vai representar o astrônomo do livro O Pequeno Príncipe daqui a pouco na escola e eu não fui convidada. Nesse mundo de flashes, instagram e selfies, fiquei surpresa pela opção discreta do colégio. Mas que deu uma dózinha de não vê-lo em ação, deu. Ainda mais porque O Pequeno Príncipe é um dos meus livros de alma. 

Também não deixa de ser uma lição de desapego. Para que registrar tudo, participar de tudo? Os pais de hoje são tão onipresentes, não? Na verdade, as escolas incentivam essa presença full time de mamães e papais, coisa que soa incoerente quando, na teoria, a autonomia das crianças é estimulada. 

Já viram o tanto de dever de casa que exige a participação do responsável? Francamente, um saco. Aliás, já viram o tanto de atividades extraclasse que as escolas enviam/promovem ultimamente? Ainda bem que eu cresci numa época em que criança era menos importante, ufa! Ser o centro do universo deve ser muito opressor. Bom de fato é ser moleque de pé descalço na rua; passar a tarde de vadiagem sem fiscalização. 

Tento reproduzir um pouco dessa vida descompromissada que tive com os meus filhos. Só passei a ter agenda lotada de compromissos na adolescência e gostaria que eles curtissem a infância brincando. Claro que a vida em Brasília já não é mais a mesma, porém procuro não me influenciar pelas neuroses que povoam o comportamento de boa parte dos pais da atualidade. 

O mais velho começou a ir para as aulas na biblioteca pública sozinho. Aos dez anos, acredito que já tenha razoável discernimento para atravessar duas ruazinhas de pouco movimento e chegar à quadra vizinha em segurança. Dá medo? Sim, sempre! Medo da violência acumulado com o medo dos carros. Só que é preciso saber viver, já dizia Roberto Carlos. 

Meus meninos descem todos os dias para brincar no espaço público tão agradável da quadra. Mas são poucas as crianças que cultivam esse hábito saudável. Tão mais seguro para os pais que os rebentos gastem as horas livres, encarcerados no apartamento em jogos de videogame ou assoberbados nas aulas de inglês, esportes etc. Por isso, não são raras as tardes nas quais Tomás e Rômulo acabam brincando sozinhos. Ainda bem que o mais velho conta com o mais novo e vice-versa, a maior benesse de se ter irmãos, realidade que também está minguando no reino dos filhos únicos... 

Só que eu não tô aqui para dar lição de moral em nenhum pai. A ideia era escrever sobre a experiência anônima de ter representado meu alter ego Emília na terceira série. Naquele tempo, as escolas não exigiam tanto dos pais e dos próprios alunos. Afinal, a sociedade não era tão autocentrada nos reizinhos mandões, no sucesso e na mania de exibição. A apresentação modesta do meu filho hoje me fez resgatar essas memórias idílicas. 

Estudava no colégio Inei, no qual minha mãe, no cúmulo do desespero por não dar conta da vida atribulada de viúva com sete filhos, me matriculou na segurança do semi-internato, experiência pioneira na Brasília daqueles idos. Imagino o aperto financeiro dela pagando aquela escola de ricos, com curso de inglês e balé (começou aí o meu amor pela dança). No começo, fiquei muito brava por ter de abandonar minhas amigas do Notre Dame, mas depois adorei passar o dia todo no ambiente escolar. 

A professora de Artes mandou me chamar durante a aula regular. Fiquei apavorada pela possibilidade da reprimenda, mas era um convite. Um convite para ser a Emília de Monteiro Lobato nas comemorações do Dia Nacional do Livro (18 de abril): 

- você se parece com a Emília, acho que tem de ser você! 

E foi uma das coisas mais maravilhosas e tocantes que eu experimentei na minha vida de estudante inteira. Fiquei igualzinho à Emília. A professora me maquiou, mamãe fez trancinhas com fitas coloridas no meu cabelo e pregou remendos na minha meia de balé. Tive de decorar um texto ENORME para uma garota de nove anos e todos os alunos do jardim de infância acreditaram que eu era a Emília de verdade, o que me deu um prazer incomensurável. 

Agora pergunta se eu tenho foto disso? Tenho não. Mamãe não apareceu ou também não foi convidada, vá saber... Só tenho lembranças das mãozinhas dos guris mais guris do que eu me cercando por todos os lados e um pedaço do texto gravado na caixola: "Há livros pequenos, há livros grandes. Há livros de todo jeito. Mas de um jeito ou de outro, os livros são sempre úteis..." 



Comentários

  1. Ter uma foto dessa Emília seria legal, mas ter uma história e compartilhá-la é super! =D

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  2. Luciana,

    tem o outro lado da moeda...

    A Larissa, por exemplo, iria querer que eu visse a apresentação.

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    Respostas
    1. Concordo, Larinha, as crianças sempre querem a presença dos pais. Claro que eu me ressinto de a minha mãe não ter ido me ver de Emília. Mas não deixa de ser interessante esse exercício de a gente não querer registrar absolutamente tudo da vida dos filhos, não é mesmo? Hoje, com essa facilidade de câmeras e celulares, a gente acaba exagerando. E aqui eu faço o mea culpa. Eu tô sempre registrando tudo... Por isso, essa apresentação do Tomás vai ficar apenas no campo dos sonhos, da imaginação. Um exercício de desapego para mim, no fim das contas.

      Abraço,

      Lulupisces.

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  3. Ufa!! Ainda bem que não sou só eu que deixo meus filhos brincar na rua, sozinhos! Como é bom saber que tenho amigas que pensam como eu... Este texto, como todos os outros, está impecável. Adorei! Ana Claudia

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