Verborragia sem pedir licença ou “Para não acharem que sou só frivolidades”

Quando querem transformar dignidade em doença, quando querem transformar inteligência em traição, quando querem transformar estupidez em recompensa, quando querem transformar esperança em maldição: é o bem contra o mal, e você de que lado está?
Legião Urbana

Falar em ética jornalística, ética médica, ética política é reduzir o conceito ético e permitir, algumas vezes, condutas um tanto reprováveis em nome da classe, da corporação, do grupo. Por isso não acredito em tipos de ética. O valor-ética, o padrão-ética, a postura ética é uma só, pois esse é um conceito que faz parte do âmago da vida social. Se não fôssemos humanos, se não nos organizássemos em comunidades, não haveria a necessidade de conduzir nossas ações pelo viés moral da ética.

É lógico, e vivenciamos isso todos os dias, que o fato de vivermos em sociedade não nos impede de sermos antiéticos o tempo todo. É quando a força fala mais alto. A força política, jornalística, médica que surge quando usamos o poder de coerção, de omissão, de distorção, de corrupção, de matar, de mentir. Quando esquecemos, como cidadãos e profissionais, que a conduta ética existe para que haja mais igualdade entre maioria e minoria, entre “quem tem voz e quem não tem”. Nessa linha de pensamento se encontra uma das correntes filosóficas, a utilitarista. Para os utilitaristas, o objetivo da moral é o de proporcionar “o máximo de felicidade ao maior número de pessoas”.

Se a prática do jornalismo é o espaço legítimo de mediação entre o poder público e a sociedade civil; se é um instrumento de formação da chamada opinião pública; se é uma ferramenta sobretudo de transformação social e política, sua prática deve, ao meu ver, buscar o “máximo de felicidade ao maior número de pessoas”. A felicidade de que falam os filósofos utilitaristas pode ser traduzida como o máximo de informação honesta, objetiva, instigante e crítica possível. Pode ser também o máximo de preocupação e engajamento social possível. Mas o caráter público do jornal muitas vezes é derrotado pela vocação mercantilista das empresas jornalísticas.

É nesse momento de ruptura com sua responsabilidade social que o jornalismo perde sua postura ética. Para Aristóteles, um dos pais da discussão do conceito, as virtudes da justiça, caridade e generosidade devem provocar um sentimento de realização pessoal àquele que age, na mesma proporção em que beneficie a sociedade. Hoje, qual jornalista poderia afirmar, do fundo de seu coração, que está sendo virtuoso? Que as reportagens, matérias e entrevistas que produz estão lhe trazendo realização pessoal na mesma medida em que a repercussão social do seu trabalho é pró-ativa, transformadora, consciente, justa? Não devem ser muitos.

Imersa nessas discussões, muito interessantes por sinal, é que devemos estar quando falarmos em Comunicação Popular, Comunicação Alternativa, Comunicação Social, Comunicação Sindical. Reparemos que o fato da imprensa ser hoje muito mais mega evento do que utilidade pública, nos obriga a criar subprodutos, subespécies de comunicação. São correntes que tentam remar contra a maré da falta de espaço para os temas de natureza social nos grandes jornais. É como observa a jornalista Âmbar de Barros  em seu artigo Notícia para quem precisa de notícia: “Lutávamos contra uma imprensa viciada em crise econômica e conchavos políticos, que pouca atenção dava ao que realmente tem importância na vida das pessoas: saúde, direitos humanos em todos os níveis, qualidade de vida”.

E quando ela fala em “direitos humanos em todos os níveis” devemos ter em mente que aí se inclui o direito das pessoas de ser ouvidas, de obter espaço como grupo social, como “seres” dotados de necessidades e desejos. Daí a importância de se trabalhar com estas pessoas que não têm voz na grande imprensa (ou pior, quando têm, é uma voz distorcida pelos ruídos do preconceito e da ignorância).

A jornalista Iêda Cavalcante aborda no artigo Índios: esses nossos desconhecidos, o problema de se trabalhar com comunidades “mal-vistas” e mal-compreendidas  pela sociedade,devido às distorções criadas pela falta de informação, pelo desconhecimento: “Com raras exceções, o leitor consegue ter uma compreensão mais global dos fatos ocorridos envolvendo os índios; o porquê de suas lutas  e de sua revolta. Ocorre que esses meios de comunicação sempre abordam a questão indígena de forma fragmentada. Apresentam figuras perdidas no tempo e no espaço. Compõem personagens exóticos próximos do período neolítico”.

Para obter sucesso em nossa empreitada jornalística, precisamos desconstruir imagens e impressões pré-fabricadas. Definitivamente, é preciso arrancar a armadura, pois, como também afirma Iêda Cavalcante, “a responsabilidade desse tipo de tratamento não pode ser creditada apenas à linha editorial da empresa ou à sua ideologia conservadora. Os jornalistas, afinal, são parte ativa do processo de produção de informação”. Comprometimento e consciência são as palavras-chave para não cair na fácil armadilha de reproduzir, no produto do nosso trabalho os estereótipos, os mitos, as fragmentações.

Sejamos o que a jornalista Regina Festa, em seu ensaio Movimentos Sociais, Comunicação Popular e Alternativa chama de atores sociais. Ajamos pelo bem desta comunidade. Fomentemos uma “democracia interna”. Facilitemos o aflorar de lideranças positivas, de engajamento por causas diversas. Isso! Sejamos facilitadores!.

Fazer jornalismo não deve ser apenas o que se vê todos os dias nos jornais. A adoção de novos instrumentos e técnicas de comunicação se dá na medida do avanço das forças sociais que, como diz Paulo Freire, “aprendem com a realidade que as determina”. Que ao entrar na vida de milhares de pessoas, nós, jornalistas, reflitamos sobre essas informações e, acima de tudo, que sejamos éticos para todo o sempre.

UM 2010 DE BEM-AVENTURANÇA E DE VOTOS CIDADÃOS!

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