Imagens da Meca

Dei um pulo em Sampa City na semana passada. Foi a primeira vez que pousei em Congonhas após as tragédias aéreas que abalaram o país. A minha minifobia de avião voltou imediatamente. As mãos soadas, a angústia no peito. Nem a tática de ler uma história envolvente deu certo. Olha que eu estava me deliciando com um conto da Diablo Cody (aquela ex-stripper que ganhou o Oscar de Roteiro Original por Juno) publicado na revista Piauí. Taí uma publicação bem legal que consegue ser intelectual sem ser pedante como a Bravo, que dá no saco com sua aura inatingível (assim como o caderno Ilustrada da Folha).

Mas a história da Diablo Cody era hilária, quase me fez esquecer as agruras de estar numa lata de sardinhas no meio das nuvens. Eu ria como uma lunática. Uma cena de filme nonsense. O problema é que o passatempo acabou segundos antes de o avião começar a descer no meio do horizonte de prédios. Como todo fóbico, comecei a me torturar com pensamentos macabros tipo espero rever o sorriso meio banguela do Rômulo novamente e ouvir os “o-que-é-isso” desconsertantes do Tomás.

Apesar de toda a expectativa pessimista, sobrevivi para mais uma aventura pela cidade que amo. São Paulo é sempre um prazer, porém achei Sampa mais descuidada e engarrafada – se isso é possível - desta vez. Talvez por ter ficado mais perto do centro, hospedada na rua Maria Antônia. A estação de metrô mais próxima era a da República e passear pelo coração da locomotiva, que sempre me alegrou, me deixou um pouco cabreira. Tanta gente morando na rua, muitos mendigos, bandos deles. Calçadas esburacadas, lugares abandonados...

De qualquer modo, a Paulicéia Desvairada é o canto do Brasil mais perto do mundo civilizado da boa cultura, do caldeirão de gentes e atitudes, da gastronomia de qualidade.  As metrópoles me fascinam e tive a fantástica oportunidade de morar em duas delas: São Paulo e Nova Iorque. Daí o amor que sinto por ambas. Acho que Sampa é para os brasileiros o que Nova Iorque significa para os americanos: uma mescla de mundo-cão e glamour.

Imagino como era a Big Apple nos anos 80 e o poder de atração daquele lugar decadente, imoral, tão diferente dos subúrbios perfeitinhos que pululam nos EUA. A Manhattan que convivi já estava esterelizada deste submundo, mas ainda guardava suas marcas de rebeldia. E aí reside o grande lance da grande maçã: eterno imã de quem busca o ecletismo.

São Paulo ainda é a Nova Iorque de 30 anos atrás. As coisas no Brasil não mudam em décadas, mas em séculos e olhe lá. Sampa não tem anestesia, mas mantém o brilho. Ainda é o lugar para se tomar um banho de cultura de rua, de fazer, como dizem meus amigos austríacos, “window shopping”, de  ir a peças teatrais embasbacantes e sair delirando a pé no meio da noite pela Avenida Paulista. E foi exatamente o que fizemos minhas amigas Isabel, Maria Luísa e eu, após assistir a um assombro de interpretações em “Rainhas, duas atrizes em busca de um coração”.  Se for para lá, não perca.

Também conferimos a Bienal que realmente só me entediou com o seu vazio de idéias. Terá sido esta a proposta? Já houve edições bem mais interessantes, o que faz soar o alarme: São Paulo não pode perder o pique, pois se já está a três décadas de Nova Iorque hoje, tá na hora é de correr pra não ficar datada. Não quero que a minha cidade querida, referência fundamental do Brasil que se pretende maior, entrando em colapso existencial.

E então a gente vai na Fundação Maria Luísa e Oscar Americano e muda de perspectiva. Ufa, acho que São Paulo tem futuro sim. Que lugar maravilhoso, que projeto de impecável valor é esse que oferece concertos dominicais que deixam a alma em enlevo. Todos made in Brasil aqueles músicos, intérpretes excepcionais de composições atemporais.

Todavia o que me deixou mais boquiaberta nesta viagem (São Paulo deveria estar no cronograma de visitas de todo brasileiro pelo menos uma vez por ano) foi a gentileza de uma moradora. Acreditava que as megacidades engolissem por completo a humanidade das pessoas, mas ainda há esperança quando uma estranha oferece carona a três outras estranhas e uma gostosa conversa flui deste encontro.

Nunca esperei afagos de São Paulo, mas ela me ofertou este gesto. Dizem os especialistas que o tripé da felicidade é formado por otimismo, gratidão e gentileza. Nestes dias em Sampa, pude experimentar fartas doses dos três. Por muitos acontecimentos que não cabem no reduzido mundo dos textos para blogs, posso garantir que fui feliz e soube disso.

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