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Mostrando postagens de maio, 2011

Quem diria...

Dei a partida no carro, apertei o botão do rádio e os acordes de "Vaca Profana", de Caetano Veloso, encheram os espaços do invólucro de metal na manhã fria. Interessante começar a segunda ouvindo uma música que diz tanto e é tão rara nas programações. Mais intrigante, porém, foi perceber que ela estava tocando na rádio Verde Oliva . Peraí. Pausa. A rádio do Exército brasileiro executando Vaca Profana? O mundo está mudado mesmo. Eu ainda me lembro da capa do disco de vinil da Gal Costa, seu rosto branco, pálido de maquiagem propositadamente fantasmagórica, e a faixa "Vaca Profana" proibida, banida aos arranhões no bolachão "preto com buraco no meio" (só para homenagear a primeira obra musical abusada do Casseta&Planeta). A profana canção não tocava nas rádios na década de setenta/oitenta. Meu irmão mais velho tinha o disco e também a minha devotada admiração devido ao seu jeito black power de ser. Um Tim Maia no Centro-Oeste... Pois é, fiquei fascina

Rolando as pedras

  Acabei de ver dois vídeos que vazaram na rede do kit anti-homofobia que iria ser distribuído nas escolas e foi vetado por questões obscuras... Tão obscuras quanto as que perpetuam a discriminação. Ainda estou sob o impacto de suas mensagens. Fortes, inevitavelmente. E optei por escrever assim, na lata, para que saia tudo como eu realmente estou sentindo, sem autocensura. Esse assunto é tabu em sua essência, e o que a gente se permite são arremedos, piadas, imagens veladas, filtradas... Os vídeos não, eles são escancarados, expostos, complexos. A sexualidade humana e suas nuanças poderiam ser diferentes? Admito que me senti na pele das personagens. Os filmes são bem feitos e nos colocam na parede mesmo. Dão tapas na cara da gente. Não sei se nos fazem mais flexíveis, no entanto. Fiquei na dúvida. Duas pessoas muito importantes na minha vida me confessaram a condição de homossexual em momentos distintos: o primeiro, no fim da adolescência e o outro amigo, já na faculdade. Não for

Feliz aniversário, memórias!

  aos meus irmãos e à Dedéia, uma irmã de boas lembranças. Zapeando nos sites jornalísticos de hoje, descubro que é aniversário de Bob Dylan. O cara faz setenta anos no ano em que fiz quarenta. Quando eu nasci ele já tinha 30 anos e era mais atual do que nunca. Principalmente na vitrola do quarto do meu irmão mais velho. Ser caçula tem muitas vantagens e não estou incluindo o indefectível mimo alardeado por aí. Não fui uma menina “colocada no colo”, pelo contrário. Tive que suar, e muito, para conseguir um pedacinho de mãe, um pedacinho de casa, um pedacinho de quarto numa família de adultos sem pai. Talvez esteja nessa transpiração toda a raiz da minha inventividade, a capacidade de escrever um “jorro de palavras” por dia. (Salve, salve, amiga Isabel, quem me descreveu tão bonito assim!) Mas ter irmãos mais velhos pode colocar a gente na vanguarda cultural por anos a fio. Muito do que eu sei e que meus amigos de 40 anos não se interessam ou nunca ouviram falar, eu vivi dentro da

O mundo todo dentro de mim

Eu amo São Paulo. Para quem me lê desde sempre não há nenhuma novidade nessa afirmação. Mas, como diria o ludibriado John Malkovich no intenso e belo Ligações Perigosas : "it's beyond my control". Toda vez que vou à Sampa eu descubro que, apesar de amar um mato, não viver sem banho de cachoeira e cheiro de terra batida, eu tenho alma urbanóide, cosmopolita. São Paulo me enfeitiça, me atiça. Me faz querer sempre mais, tipo um vício em coisas supimpas, sabe? E a cidade não deixa por menos: tá sempre disposta a me fornecer drogas lícitas alucinantes. Fiz um viagem-relâmpago para a terra da garoa, que estava friazinha, com cara de Europa. Já é meio caminho andado para me sentir confortável, embalada pelos melhores sentimentos. Rever meus amigos Elisabeth e Thoróh e seu trio de peraltas nunca é demais. Um encontro de almas similares, de afagos sinceros, de pessoas "diferenciadas", para usar o "adjetivo" da moda no bairro de Higienópolis, aquele mesmo em

Procuram-se rebeldes, ansiosamente!

Eu acho o politicamente correto um pouco chato no que tem de excesso. Mas talvez o excesso, a patrulha, sejam necessários até que a humanidade encontre o equilíbrio, o caminho do meio.   No caso de descer a lenhar nessas piadas grosseiras e estúpidas, podem contar comigo. O que a cultura tem a ganhar com essas pessoas que lucram com baixarias? Piada sobre negro, mulher feia, judeu, gordos e deficientes físicos são mais velhas do que a fome. Existem desde que o mundo é mundo e, por isso mesmo, já deveriam ter sido aposentadas. Quando nada se cria, tudo se copia, perdemos a oportunidade de realmente ir além, transgredir, polemizar. Só assim a gente amadurece, saindo do confortinho "burguês". (Gostaram do toque marxista ultrapassado?;))  "Eu que não me sento No trono de um apartamento Com a boca escancarada Cheia de dentes Esperando a morte chegar..." Eis aí um cara que realmente estava à frente de seu tempo e que muito contribuiu para a nossa cultura rock/pop:

O Big Bang ocular

À medida que vamos envelhecendo, somos apresentados a novas e fascinantes aventuras. Como ser vítima de exames de saúde esdrúxulos, patéticos e totalmente incompreensíveis a olho nu. Quem já virou o Cabo da Boa Esperança sabe bem do que eu tô reclamando. Falando em olho nu, foi assim que os meus se sentiram nessas últimas semanas: devassados, virados do avesso por máquinas estranhas e gente esquisita. Bons tempos aqueles em que a gente ia ao oftalmologista e ele apenas pedia que lêssemos as letrinhas que iam diminuindo, diminuindo, diminuindo, diminuindo... No máximo, uma pupila dilatada para dar mais charme à consulta. Agora não. Nada como fazer 4.0 e ter de passar por uma curva da pressão ocular. Um exame simpático que envolve enfiar algo dentro do seu olho de duas em duas horas para medir a pressão arterial do olho (nem sei se é arterial, mas ficou mais bonitinho assim). Não basta correr o risco de virar hipertenso depois de certa idade. Há sempre a possibilidade de um glaucoma

Guardiãs de sonhos

Quando a gente entra em um ambiente habitado por livros, a sensação é de paz. Altos, baixos, largos, estreitos...Aquela irregularidade espalhada pelas estantes, uma confusão de cores, logotipos, fontes, papéis – mas que não significa desorganização e, sim, riqueza. A biblioteca é uma caça aos tesouros clássicos, modernos, eruditos, populares, subversivos, comerciais, científicos, técnicos... Sem preconceitos, sem censura. É preciso se contaminar por esse espírito simultaneamente anárquico e sistemático ao frequentar uma biblioteca. Curiosidade mesclada à concentração é fundamental. Todas as bibliotecas deveriam ser aconchegantes e amigáveis como a nossa poltrona preferida. E urgente seria que elas – as bibliotecas – oferecessem esses móveis de sentar, refletir, buscar, fazer e encontrar respostas. Porque a importância desse espaço solenemente lúdico está nesses contrastes, nesses paradoxos. Uma biblioteca é feita por homens imperfeitos que deixam seus legados. Muitas vezes obra

A Hora da Estrela*

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Tenho mania de me meter na conversa dos outros. De pessoas estranhas, gente com quem nunca conversei antes. Aliás, isso não é mania, isso é falta de modos. De vez em sempre, não resisto em ser a terceira na comunicação, sabe? Aquela a quem os partícipes do diálogo olham assustados e perguntam: “Alguém te perguntou alguma coisa?” Uma vez, estava no elevador e o ministro do STJ conversava com alguma servidora sobre uma futura viagem à Áustria e lá intrometi o meu big nose (que de fato é pequeno, a língua é que deve ser grande): “Ah, é uma viagem maravilhosa, linda! Vale a pena conhecer!” Os dois foram até simpáticos, me retribuíram a intromissão com sorrisinhos amarelos. Dias atrás, ataquei de linguaruda de novo, em plena Feira da Lua. Estava numa banca que vendia pijamas de malha fria para crianças, além de outros apetrechos para bebês recém-nascidos. A vendedora estava tentando convencer a gravidinha ao meu lado a comprar vários paninhos de boca (aqueles que limpam a b

Raios me partam!

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Às vezes reflito sobre qual referência cultural pop meus filhos irão se apegar quando crescer. Nós, geração X, passamos a infância toda animados por, digamos, uns cinco ou seis heróis. Corrijam-me, se tiver enganada, mas o lance era Batman, Superhomem, Homem-Aranha, As Panteras, o Homem de Seis Milhões de Dólares, Sítio do Pica-Pau Amarelo e... Devo estar esquecendo algum (provavelmente porque não foi tão marcante para mim). Agora, são dezenas, centenas. Todo dia explode alguma nova mania. Essa criançada nem tem tempo de assimilar as peripécias do supermegablaster do momento e, plim, surge um concorrente na velocidade da luz. É muita informação. É volatividade assustadora. É tanto herói que a gente começa a confundir o superpoder de um com o do outro. Qual deles sobrará na memória afetiva dos pequenos? Ben 10? Backugan? Gormits? Power Rangers? Buzz Lightyear? Ou quando forem adultos ainda falarão dos mesmos eternos preferidos das gerações anteriores, todos coexistindo ao "mesm

A rosa do Pequeno Príncipe

Na semana passada, recebi um texto de uma amiga chamado “Sobreviventes do neocid”. O bom da internet é que todos podem escrever coisas legais sobre os mais variados temas. Mas, como tudo tem seu lado Darth Vader, o ruim da internet é que, para mim, que faço da escrita o meu ganha-pão, fica a certeza: num futuro próximo, por que diabos vão me pagar para escrever, se agora todos acham que são escritores e dão pitacos grátis na rede? Mas deixando de lado o tom apocalíptico, este texto do neocid relata (não é tão bem escrito assim, ufa!) as desventuras de nós, crianças da década de 70, que éramos envenenadas com as melhores intenções por nossas próprias mamães. Tudo para matar os tais piolhos que todos os anos infestavam as cabeças das garotinhas de longas madeixas. Como a minha mãe, para não dar trabalho, mantinha o meu cabelo curtinho – não tinha piolhos, mas em compensação uma raiva tremenda do meu visual, o que, a longo prazo, pode ser mais intoxicante que o envenenamento lento por

O amor não dito

A gente sabe que o Dia das Mães é só uma data comercial. Assim como os outros dias celebrados por aí. Mas a gente também sabe que não é possível ficar indiferente aos apelos... Não dos produtos e das compras, mas do sentimento. Acho meio bobo quem joga com esse argumento de que Natal se transformou em consumo, Páscoa em consumo, Dia das Mães em consumo... Parece discurso panfletário de secundarista. É claro que tem o seu valor (ser ingênuo e protestar com verdade no coração). Gritar contra a opressão capitalista faz bem para a humanidade. Entretanto é preciso enxergar na totalidade. Essas datas ajudam a aquecer o comércio do mesmo tamanho que ajudam a aquecer os laços familiares. É a desculpa ideal para ser piegas e escrever aquele cartãozinho de amor derretido para a sua mãe. Ou de fazer as pazes com o pai... De reencontrar todos em volta da mesa... Comer, rezar, amar e ser abraçado e abraçar. Deixar-se levar pela docilidade da vida. No meio de contas velhas, carnês variados,

Atacando de engenheira civil

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Placa de reboco ou dry wall é uma tecnologia que substitui as vedações internas convencionais (paredes, tetos e revestimentos) de edificações, consistindo de chapas de gesso aparafusadas em estruturas de perfis de aço galvanizado. Esta tecnologia já é utilizada na Europa e nos Estados Unidos há mais de 100 anos e, no Brasil, vem ganhando espaço nos últimos anos em função da instalação no país de três grandes fabricantes europeus do sistema: Lafarge (francesa), Placo (francesa) e Knauf (alemã). Eis a dry wall do nosso apê, com lâmina acústica O sistema dry wall consiste em paredes de gesso mais leves e com espessuras menores que as das paredes de alvenaria. São chapas fabricadas industrialmente mediante um processo de laminação contínua da mistura de gesso, água e aditivos entre duas lâminas de cartão. Tais sistemas são usados somente em ambientes internos das edificações. Para os fechamentos externos, a dry wall deverá utilizar perfis de aço estruturais (steel frame) e chapas c

Fase de pupa

Abandonei o diário da Argamassa. Mea culpa, minha tão máxima culpa! Deixei alguns leitores assíduos sem novidades. Há quantas anda aquela quebradeira toda? Anda muito bem, obrigada. Indo nos conformes, consumindo todo o nosso dinheiro, extrapolando o orçamento, mesmo com o precavido cuidado do meu marido. Um cara, digamos, econômico desse tantim assim ó. Mas há um momento da obra em que ela fica na fase de pupa, como se repousasse, mas não é verdade. É que a porrada inicial, o desmonte, é rápido, literalmente demolidor. Depois, a reconstrução, o inevitável recomeço, é mais pensado, estudado, calculado. Tudo tem de ser muito bem medido. Cada parede que será reerguida em outro lugar precisa ter a certeza absoluta de que ela realmente vai ficar ali. Centímetros contam. Cada tomada, cada fiação, cada tamanho de porta necessita de atenção redobrada. Um errinho pode significar uma mancada lá na frente. Uma casa sem o número certo de interruptores nos lugares adequados não tem sentido se

Uma década para sempre

Há 10 anos eu não tinha filhos. Há dez anos eu tinha mãe, madrinha e festas de família grandes e animadas. Há dez anos eu não tinha apartamento de quatro quartos. Há dez anos eu não tomava remédio para dormir, pois há 10 anos eu não tinha insônia. Há dez anos meu primo Júnior não havia se tornado um dos meus melhores amigos. Há dez anos eu não fazia ioga regularmente. Há dez anos eu morei em Nova Iorque e nem nos sonhos mais lindos eu imaginei que isso iria acontecer. Há dez anos eu vi - de muito perto - o mundo se transformar por causa de um atentado. Hoje, essa década toda repassou na minha cabeça num átimo por causa da morte de Osama Bin Laden. Tô parecendo uma letra do Arnaldo Antunes (que está rolando no meu CD do carro): listando devaneios em nãos e sins. Mas que fim de semana intenso foi esse, hein! Eventos impactantes para o entendimento do planetinha acontecendo desde sexta-feira... Casamento real, nos levando a acreditar em contos de fada novamente. A beatificação de Joã